DIREITOS INFANTO-JUVENIS E SEUS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE

PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

FUNESO / UNESF / UNIDERC

MESTRADO EM PSICANÁLISE NA EDUCAÇÃO E SAÚDE

 

 

 

 

PROFESSORA: Sandra Ugiette

ALUNA: Terezinha Pereira de Vasconcelos

DIREITOS INFANTO-JUVENIS E SEUS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS

OUTUBRO, 2012

RESUMO

 

 

O Estado, a sociedade e a família, entes de responsabilização da infância e juventude, vêm produzindo uma série de violações a crianças e adolescentes, como também aos infratores. A violência, o descaso, a ausência familiar, entre outros, compõem a situação em que a infância e juventude se encontram. Dilemas que provocam a construção de crianças e adolescentes vulneráveis, ausente de valores, de preconceitos, de perspectivas para o futuro. O Direito da Criança e do Adolescente brasileiro sofreu uma revolução com a adoção da Teoria da Proteção Integral pela Constituição Federal de 1988. A ideia da integralidade se resume no fato de que a proteção é devida a todas as crianças e adolescentes, sem distinção de qualquer tipo. A Carta Magna foi a primeira norma a reconhecer o público Infanto-juvenil como sujeitos de direitos. O instrumento de efetivação destes direitos é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/90. O ECA é o resultado de diversos setores sociais pátrios comprometidos com a causa da infância e juventude. O ECA demonstra que a garantia de proteção à criança e ao adolescente não esgota na formalização de seus direitos pelo Estado. Mas, pelo contrário, é necessário um novo tipo de relação entre este e a Sociedade, permeada pela reciprocidade, para que se estabeleça uma identidade socializada. Como uma das expressões da pobreza, da injusta distribuição de renda, o trabalho infantil sempre se fez presente na sociedade humana, resultado de uma mescla de necessidade, oportunismo e incompreensão. As famílias, oprimidas pela miséria, muitas vezes não encontram alternativas a não ser buscar a complementação de renda por meio do trabalho dos filhos. Destarte, o combate a essa forma de exploração não pode ser dissociado de outras políticas que tenham por objetivo promover a diminuição da pobreza. Estes fatores dão a dimensão da complexidade que envolve o tema, bem como dos desafios a serem enfrentados nos níveis político-econômicos e socioculturais, para que o país avance na erradicação do trabalho infantil. O Estado, representado pelo poder público, tem responsabilidades inumeráveis, posto que é de sua competência a formulação das políticas públicas  ou ações administrativa direcionadas às crianças e aos adolescentes. Com o intuito de eliminar as piores formas de trabalho de crianças e adolescentes no país, foi implementado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. Este foi uma das primeiras ações concretas resultantes de denúncias e reivindicações relacionadas ao trabalho infantil no Brasil. O objetivo deste estudo é comparar os efeitos sociais e práticos que sofreu o Direito da Infância e Juventude com a ideia da Teoria da Proteção Integral, utilizando-se PETI como parâmetro real de trabalho. Para tanto se fez uso da pesquisa bibliográfica, com análise doutrinária e legislativa concernente ao tema. Verificou-se que o Programa não atingiu o resultado esperado – a erradicação do trabalho infantil. O PETI tem um caráter emergencial, uma vez que não é acompanhado de políticas mais efetivas voltadas para superar a injusta distribuição da renda no país. Este quadro é responsável pela manutenção das condições que impelem as crianças para o trabalho precoce. O Governo conseguiu atingir com o PETI uma reduzida parcela desses pequenos trabalhadores. Para se conseguir o fim do trabalho infantil no Brasil é imprescindível a implantação de uma política econômica de redistribuição de renda. Esta promoverá as reformas necessárias à reestruturação das famílias em estado de pobreza, e emerge um novo pacto social, altamente favorável à defesa e garantia de direitos civis e sociais das crianças e adolescentes.

 

Palavras-chave: Criança. Adolescente. ECA. Trabalho Infantil. Erradicação. PETI.

ABSTRACT

The state, society and family, loved accountability of childhood and youth, have produced a series of violations of children and adolescents, as well as offenders. The violence, neglect, lack family, among others, make up a situation in which children and youth meet. Dilemmas that cause the construction of vulnerable children and adolescents, missing values, prejudices, perspectives for the future. The Right of the Child and Adolescent Brazilian has undergone a revolution with the adoption of the Theory of Integral Protection by Federal Constitution of 1988. The idea of ​​integral boils down to the fact that the protection is due to all children and young persons without distinction of any kind. The Magna Carta was the first standard to recognize the public Children and Youth as subjects of rights. The instrument of realization of these rights is the Statute of Children and Adolescents (ECA) – Law No. 8.069/90. The ECA is the result of various social sectors patriotic committed to the cause of children and youth. The ECA demonstrates that ensuring protection of children and adolescents does not exhaust the formalization of their rights by the state. But, by contrast, requires a new type of relationship between this and Society, permeated by reciprocity, in order to establish an identity socialized. As an expression of poverty, inequitable income distribution, child labor has always been present in human society, the result of a mixture of necessity and opportunism misunderstanding. Families, oppressed by poverty often find no alternative but to seek supplementary income by working children. Thus, the fight against this form of exploitation can not be dissociated from other policies that aim to promote poverty alleviation. These factors give the dimension of the complexity surrounding the issue, as well as the challenges to be faced at political and socio-economic, for the country to move forward in the eradication of child labor. The State, represented by the government, has myriad responsibilities, since it is your responsibility to public policymaking or administrative actions directed at children and adolescents. In order to eliminate the worst forms of work for children and adolescents in the country, was implemented the Program for the Eradication of Child Labor – PETI. This was one of the first concrete actions resulting from complaints or claims related to child labor in Brazil. The objective of this study is to compare the social and practical suffered the Right of Children and Youth with the idea of ​​the Theory of Integral Protection, using as parameter PETI real work. For much use was made of the literature, with legislative and doctrinal analysis concerning the subject. It was found that the program did not achieve the expected result – the eradication of child labor. The PETI has an emergency, since it is not accompanied by more effective policies aimed at overcoming the unfair distribution of income in the country. This framework is responsible for maintaining the conditions that drive children to work early. The Government has achieved with PETI a reduced proportion of these workers. To achieve the end of child labor in Brazil is essential to implement an economic policy of income redistribution. This will promote the reforms necessary restructuring of families in poverty, and emerges a new social pact, highly favorable to the defense and guarantee of civil and social rights of children and adolescents.

 

Keywords: Child. Adolescents. ECA. Child Labour. Eradication. PETI.

Sumário

Introdução………………………………………………………………………07 

 

  1. A Evolução Legislativa do Direito da Infância e da

Juventude: o Estatuto da Criança e do Adolescente…………12

1.1       Os Sujeitos do Direito da Infância e da Juventude………………….13

1.2       Histórico Legislativo e o Percurso das Políticas Públicas Sociais Brasileiras………………………………………………………………….15

1.3       O Direito Menorista e a Constituição Federal de 1988……………..17

1.4       A Entidade Familiar……………………………………………………….19

1.5       A Lei Nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)……………………………………………………………………….21

1.5.1  Elemento Institucional: A Teoria da Proteção Integral……………..22

1.5.2  Os Direitos Fundamentais da Criança e ao Adolescente……………24

1.6       A Legislação Internacional Referente à Criança e ao adolescente..26

1.6.1  As Convenções da Organização Internacional do Trabalho………..26

  1. O Trabalho Infantil e a Tutela Legal………………………………28

 

2.1       A Legislação Combativa ao Trabalho Infantil no Brasil……………..30

2.2       O ECA e o Trabalho Infantil……………………………………………..31

2.2.1  A Aprendizagem…………………………………………………………..32

2.3       Espécies de Trabalho Proibidas…………………………………………33

2.4       A OIT e o Trabalho Infantil………………………………………………35

2.5       Os Programas de Combate ao Trabalho Infantil no Brasil………….36

  1. O ECA e a Erradicação do Trabalho Infantil Através dos Programas de Políticas Públicas…………………………………..38

 

3.1        Os Critérios de Aplicação do PETI………………………………………39

3.2        O Funcionamento do Programa…………………………………………42

3.3        ECA e PETI: Os Reflexos da Teoria da Proteção Integral…………..42

Conclusão………………………………………………………………………..45

Bibliografia………………………………………………………………………49

DIREITOS INFANTO-JUVENIS E SEUS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS

Terezinha Pereira de Vasconcelos

terezinhavasconcelosadv@hotmail.com

Introdução

Esse trabalho tem como tema: Direitos Infanto-Juvenis e seus Desdobramentos Sociais, onde o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – é um conjunto de normas do ordenamento jurídico brasileiro que tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, aplicando medidas, e expedindo encaminhamentos para o Juiz.

Os direitos da criança e do adolescente no Brasil são assegurados pela Constituição Brasileira de 1988, a qual introduziu, pela primeira vez, o reconhecimento formal desses direitos, fruto de um processo democrático, de mobilização e organização popular poucas vezes vistos na história na sociedade brasileira. Em seu artigo 227, a Carta Magna de 1988, enaltece a importância dessa questão aos olhos do então legislador, definindo:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

De modo igualmente inédito, esses direitos foram especificados através da Lei Complementar nº 8.069, sancionada em outubro de 1990 – Estatuto de Criança e do Adolescente -, que regulamenta e detalha as regras gerais fixadas pela CF/88. O ECA representa o esforço de diversos setores sociais comprometidos com a causa da infância e da juventude.

Nesse sentido, falar do Eca implica tratar dos movimentos sociais que, de alguma maneira, resistiram à ditadura militar e, no início da década de 80, cresceram e se articularam politicamente, nas áreas de educação, saúde, habitação, infância e juventude, entre outras. A principal bandeira desse movimento era a democratização da sociedade brasileira e a melhoria das condições de vida da população. Nesse contexto, os movimentos especificamente voltados para a infância e juventude promoveram intenso debate que levou, em março de 1988, à formação do Fórum Nacional Permanente de Entidades Não governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). O esforço reunido desses setores comprometidos com a defesa da infância e da juventude culminou na importante emenda popular “Criança Prioridade Nacional”, incorporada nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal, os quais, por sua vez, foram fundamentais para a elaboração de uma lei específica regulando os assuntos infanto-juvenis – o ECA.

O Estatuto pretende assegurar a toda criança e adolescente o direito de viver, compreendendo a possibilidade de desenvolver-se saudavelmente, educar-se e receber proteção – visão resultante de uma intensa mudança tanto na maneira de ver a criança e o adolescente quanto ao atendimento a lhes ser dedicado.

Assim, sua redação evitou o termo “menor”, o que representou uma alteração radical em relação a legislação anterior sobre o assunto: O Código de Menores. O termo “menor”, de larga utilização no senso comum, na imprensa e mesmo na pesquisa científica, inicialmente associado à idade, passou assumir conotação estigmatizante, designando principalmente crianças pobres, abandonadas, ou, que incorriam em delitos, generalizando-se daí por diante para referir-se a crianças e adolescentes oriundos das camadas populacionais em situação de miséria, significando, sua substituição, uma atitude de resistência ao preconceito e a discriminação.  

Nesse sentido, o ECA representa uma mudança de paradigma na área da infância e da juventude na medida em que incorpora uma nova concepção de criança e adolescente na perspectiva da proteção integral, em contraposição a concepção anterior, em que eram definidos por suas carências.

Deste conjunto de instrumentos jurídicos, depreende-se que a questão infanto-juvenil se expressa no reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, defendida inclusive por organizações internacionais, encontrando-se devidamente acolhida e reconhecida como Lei pelo Estado brasileiro.

Em sendo o ECA um instrumento de efetivação dos direitos da criança e do adolescente, cumpre destacar que o próprio Estado brasileiro é posto a serviço de todos os cidadãos que desejem efetivar os direitos nele proclamados. O direito, ao estabelecer relações de reciprocidade, ao garantir os direitos infanto-juvenis, faz com que estes importem, consequentemente, em deveres concernentes ao próprio Estado, bem como a família e a sociedade em geral. A todos estes será cobrada a concretização das normas em questão.

A condição oriunda da Doutrina da Proteção Integral, na qual toda e qualquer criança e adolescente deve ser protegido, sem discriminação de nenhum tipo, significa que este segmento social não é mero receptor de deveres e direitos concedidos pelo Estado, mas faz parte dos questionamentos que os originam, vivenciando os conflitos sociais e demandas reais que servem para a sua formação. Esses direitos expressam também a luta de diversos setores comprometidos com o reconhecimento e alargamento da cidadania para crianças e adolescentes, cujas garantias dos direitos têm prevalência em relação a quaisquer outros.

Em meio a essas tessituras, a problemática do trabalho infantil configura-se em um dos grandes desafios a serem superados na atualidade, colocando-se como um dos principais fenômenos produzidos por um modelo de desenvolvimento altamente concentrador, que exclui expressiva parcela da população do usufruto dos mais elementares bens e serviços produzidos pela sociedade.

Por conseguinte, o incontrolável aumento do desemprego estrutural, ocorrido em grande escala na última década, suprimiu de crianças e adolescentes a fase fundamental de sua formação para a vida adulta – o direito à infância e aos primeiros anos escolares.

No cenário da globalização econômica[1] que compõe a chamada pós-modernidade, a questão se torna ainda mais complexa, posto que, de um lado produz a riqueza extrema, a tecnologia avançada, e, do outro, a miséria sem precedentes.

Por isso, ao contrário do crescimento industrial no início do século XX, quando ainda nos primeiros anos de vida, as crianças eram obrigadas a emancipar suas idades cumprindo jornadas de trabalho intermináveis nas fábricas; as crianças e adolescentes da atualidade procuram trabalhar com o intuito de, na maioria dos casos, acrescentar à renda familiar um pouco de dinheiro para a própria subsistência.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho[2] – OIT -, 73 milhões de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos são inseridas no mercado de trabalho precocemente.

No Brasil, os dados apontam para um alto índice de trabalho infantil, chegando, nos anos 90, a um número de 8 milhões, sendo que destes, 3,6 milhões trabalhavam e estudavam, representando 17% da força de trabalho nacional, ressaltando-se ainda que 65% das crianças e adolescentes têm jornada de trabalho maior que a permitida em Lei, e, principalmente, mais de 80% ganham menos que um salário mínimo. (IBGE, 1993).

Ainda, segundo o UNICEF, 58% das crianças trabalhadoras do Brasil com idade de 10 a 14 anos estão no campo, destas 37% não estudam, dedicando-se apenas ao trabalho, e 25% trabalham oito horas ou mais por dia.

Com o intuito de fazer valer os direitos que arrola, o ECA determina a criação do Sistema de Garantias e de Proteção Integral, constituindo não apenas o direito, mas criando mecanismos para que os mesmos possam ser assegurados na prática. A proteção integral obriga a que todas as políticas sociais se articulem para viabilizar o atendimento das necessidades das crianças e dos adolescentes.

Neste sentido, como forma de combater a repressiva exclusão social, o governo brasileiro vem desenvolvendo um conjunto de ações que visam à eliminação do trabalho infantil nas atividades perigosas, insalubres, penosas ou degradantes, possibilitando às crianças e adolescentes trabalhadores o desenvolvimento de suas potencialidades com vistas a melhoria do desempenho escolar e a qualidade de vida, tendo como referência o núcleo familiar, a escola e a comunidade. Essas políticas são representadas, principalmente, pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – o PETI.

O PETI é uma política pública do Governo Federal que tem por finalidade o repasse dos recursos financeiros aos Estados e Municípios para o pagamento de bolsas e manutenção de jornadas ampliadas, com o objetivo de retirar as crianças e adolescentes do trabalho e mantê-los nas escolas, valendo-se, para tanto, do fortalecimento das famílias destas, especialmente com a implementação de programas de geração de emprego e renda.

Assim é que para desenvolvermos este trabalho utilizamo –no da pesquisa bibliográfica, sendo analisados além das doutrinas, o ECA, a trajetória dos direitos infanto-juvenis e a evolução das políticas públicas de assistência social, tais como o PETI.

No primeiro capítulo, cuidou-se da legislação referente ao Direito da Infância e Juventude, mais especificamente do Estatuto da Criança e do Adolescente.

No segundo, tratou-se do problema do trabalho infantil e suas implicações no Brasil.

E, por fim, procurou-se avaliar os reflexos do ECA e da Teoria da Proteção Integral sobre as políticas públicas, principalmente, o PETI.

Assim, o pilar desse estudo foi analisar que a trajetória que ressaltou a condição peculiar de desenvolvimento de criança e adolescentes demonstrado que eles têm direitos, isto é, os mesmos direitos dos adultos, sejam eles civis, político-sociais, culturais e econômicos, desde que possam ser respeitadas as especiais necessidades.

Fazendo uma pequena controvérsia do assunto, temos que, a implantação integral do ECA sofre grande resistência de parte da sociedade brasileira, que o considera excessivamente paternalista em relação aos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes. Tais setores consideram que o estatuto, que deveria proteger e educar a criança e o adolescente, na prática, acaba deixando-os sem nenhum tipo de punição ou mesmo educação. Alegam, por exemplo, que o estatuto é utilizado por grupos criminosos para livrar-se de responsabilidades criminais fazendo com que adolescentes assumam a culpa pelos crimes. Não raro, propõem a diminuição da maioridade penal e tratamento mais duro para atos infracionais. Além disso embora o Estatuto impute a responsabilidade pela proteção à criança e ao adolescente ao Estado, à sociedade e à família, estas instituições têm falhado muito em cumprirem sua obrigação legal. São frequentes os casos de crianças abandonadas, morando na rua, ou deixadas em casa, sozinhas, por um longo período de tempo.

  1. 1.      A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 

 

Inaugurou-se no País uma forma completamente nova de se perceber a criança e o adolescente e que vem, ao longo dos anos, sendo assimilada pela sociedade e pelo Estado. Isso porque a realidade não se altera num único momento, ainda mais quando o que se propõe é uma profunda mudança cultural, o que certamente não se produz numa única geração.

O Direito da Criança e do Adolescente é um ramo especializado da ciência jurídica que visa a tratar, de forma clara e direta, da proteção aos direitos concernentes àquela parcela da sociedade considerada hipossuficiente frente à solução dos conflitos sociais dos quais decorrem fatores como as relações jurídicas, quais sejam as desigualdades econômico-sociais, os preconceitos, discriminação e principalmente, a falta de sociabilização da aplicação das normas jurídicas em relação a Deontologia[3] Jurídica.

Este direito específico, como estudo independente em relação aos demais campos do Direito, surgiu no Brasil graças aos esforços de entidades nacionais e internacionais em combater a degradação do ser humano, reconhecendo que a sua conduta quando adulto será pautada pelos princípios e condições que o mesmo adquiriu no transcorrer de sua formação física e mental, ou seja, durante a infância e adolescência.

O marco inicial dos direitos destinados à proteção da criança e do adolescente, como acentua o eminente doutrinador Tavares (2002, p. 55), ocorre no momento que:

A Liga das Nações predecessora da ONU marcou uma nova era no Direito Internacional, com a Declaração dos Direitos da Criança, de Genebra, em 1924. Pela primeira vez, uma entidade internacional tomou posição definida ao recomendar aos Estados Unidos cuidados legislativos próprios, destinados a beneficiar especialmente a população infanto-juvenil.

No entanto, o ápice desta história só foi alcançado com a Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, a qual em seus artigos 3º e 4º, traz os dois princípios basilares obrigatórios a todo e qualquer direito infanto-juvenil: A) A supremacia do interesse da criança e a aplicação dos direitos, isto é, segundo síntese da redação da própria Convenção, todas as decisões que digam respeito à criança devem ter em conta o seu interesse superior; B) O Estado deve fazer tudo que puder para aplicar os direitos contidos na Convenção, garantindo à criança cuidados adequados quando os pais ou outras pessoas responsáveis por ela não tenham capacidade para fazê-lo.

1.1   Sujeitos do Direito da Infância e da Juventude

Os sujeitos do Direito são aqueles a quem se destina a proteção legal advinda do Estado.

No caso do Direito da Infância e da Juventude, os titulares da proteção são a criança e o adolescente, ressalvadas algumas especiais exceções. Desta forma, é cabível procurar-se definir estes vocábulos.

Ibidem (2002, p. 09), criança é “a pessoa natural que conte menos de 12 (doze) anos de idade, adolescente: quem tem entre 12 anos completos e 18 (dezoito) incompletos”.

A jurista Maria Helena Diniz (1998, p. 89; 182) os conceitua como sendo:

Criança é a pessoa até doze anos de idade, que tenha assegurados todos os direitos fundamentais ao homem, que deverão ser respeitadas prioritariamente pela família, pela sociedade e pelo Estado, sob pena de responderem pelos danos causados (…) Adolescente é o que está na adolescência, que compreende a idade entre doze e dezoito anos, tendo direitos especiais como: a) admissão no trabalho com a idade mínima de quatorze anos; b) proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre; c) garantia de obtenção de vantagens previdenciárias; d) acesso à escola; (…) Tendo por outro lado, deveres pela prática de crimes ou contravenções, sendo submetido a penas disciplinares, a prestação de serviços à comunidade, a regime de semiliberdade ou de internação, etc.

 

É de entendimento dominante que o legislador brasileiro, ao cuidar deste ramo do Direito, adotou o critério cronológico, no qual a proteção é devida em função da faixa etária do tutelado, pouco importando qualquer outro aspecto de sua personalidade.

O conceito de criança e adolescente, como sujeitos de direitos, traduz que estes gozam de todos os direitos fundamentais cabíveis a pessoa humana, logo, devem ser tratados como cidadãos em condições peculiares de desenvolvimento, posto que os seus direitos, expressos em lei constituem deveres para o Poder Público, a Sociedade e a Família.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2º, assim define seus sujeitos:

Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos destra lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

 

Para Cury (2002, p. 21), esta regra das “faixas etárias obedece a critério de política legislativa, representando, todavia, a média das classificações existentes em outros ramos do conhecimento a respeito da época provável da passagem da infância para a adolescência”.

Contudo, controvertida e complementarmente, a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, em artigo 1º, diz:

Artigo 1.

Nos termos da presente Convenção, criança é todo ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir maioridade mais cedo.

 

Desta forma, para a Organização das Nações Unidas, a criança é definida como qualquer ser humano com menos de 18 anos, relacionando esta definição com o fato de as crianças, devido à sua vulnerabilidade, necessitarem de proteção e de atenção especiais, reafirmando a carência de cooperação internacional para que os direitos da criança e do adolescente sejam uma realidade.

1.2   Histórico Legislativo Brasileiro e o Percurso das políticas Públicas Sociais Brasileiras

A legislação brasileira referente aos direitos da população infanto-juvenil tem por base normas internacionais, sendo por elas determinadas desde o período da Liga das Nações (Antiga ONU) até os dias atuais.

Para a evolução jurídica pátria, foram de suma importância leis como o Código Comercial de 1850, que cuidava dos atos de comércio envolvendo “menores”; e, o Código Civil de 1916, que dedicava uma parte de seu espaço para regular as relações jurídicas que envolviam menores de idade, os quais formavam o Sistema de Direitos da Infância e da Juventude.

Em 1927, foi sancionado o primeiro Código de Menores brasileiro, conhecido como “Código Mello Matos” (baixado com o Decreto nº 17943 – A, de 12 de outubro de 1927), em homenagem ao primeiro Juiz de Menores do Rio de Janeiro, tendo como princípio fundamental a Filosofia de Amparo ao Menor Abandonado, baseado na repressão e correção de condutas inadequadas, porém, não enfatizando a prevenção. Esse foi, também, o primeiro Código de Menores da América Latina e era fundado na Declaração de Genebra de 1924.

Posteriormente, tem-se a Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, que disciplinou o Novo Código de Menores do Brasil, baseado na doutrina da Situação Irregular do Menor[4].

Neste caso, deviam ser consideradas as Diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor – PNABEM –, que defendia uma pedagogia de internação, na qual a exposição máxima ao trabalho disciplinado resultaria na recomposição na identidade do “menor abandonado e infrator”, dentro dos padrões de comportamento aceitáveis pela sociedade brasileira. Era, em resumo, uma extensão da linha de pensamento do antigo Serviço de Assistência a Menores (SAM) de 1941, onde só alterava-se a nomenclatura, mas a ideia era a mesma. Isto em consonância como o contexto socioeconômico e cultural em que subsistiam o menor e seus pais ou responsáveis, além de analisar-se o caso específico adequando as normas à realidade social.

Com fulcro na CF/88 e na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e reconhecido pelo governo brasileiro em 26 de janeiro de 1990, foi sancionada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente –, que é baseado na Teoria da “Proteção Integral”, para a qual toda e qualquer criança e adolescente deve ser protegido sem nenhuma distinção.

1.3      O Direito Menorista e a Constituição Federal de 1988

A Assembleia Constituinte de 1988, pela primeira vez consagrou uma seção própria para disciplinar a Justiça Social, prevendo regras de proteção social à várias Instituições que formam a sociedade, mas  que, muitas vezes, encontram-se em posição desfavorecida perante o Estado. Dentre elas as regras dirigidas à proteção e guarda satisfatoriamente convenientes a Criança e o Adolescente.

A Assistência Social como dever do poder estatal, para com seus constituintes, é dispostas pelo artigo 203 da CF/88:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição a seguridade social, tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Segundo Alexandre de Morais (2003, p. 1963):

A finalidade da assistência social, portanto, é a redução, e se possível, apesar de aparente utopia, eliminação da pobreza e da marginalização social, coordenando-se com os objetivos da República Federativa previstos no art. 1º, incisos I (“construir uma sociedade livre, justa e solidária”) e III (“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”).

O artigo 204, de forma mais técnica e específica, trata da obtenção dos recursos patrocinadores da assistência social, vinculando-os ao orçamento da Seguridade Social, não proibindo, contudo, a obtenção de recursos por outras fontes. Em seu texto ele diz:

Art. 204. As ações governamentais na área de assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizados com base nas seguintes diretrizes:

I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como as entidades beneficentes e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

 

No entanto, para o Direito da Criança e do Adolescente, o artigo que se deve dar importância é o artigo 227, pois, nele está incurso o dever de proteção integral à criança, que é a pilastra do ECA.

O artigo 227 dispoe:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O artigo acima não deixa dúvida quanto à importância do reconhecimento formal dos direitos infanto-juvenis aos olhos do legislador contemporâneo, pois, esses direitos encontram-se devidamente acolhidos e reconhecidos como Lei pelo Estado brasileiro. Esta formulação foi fundamental para a elaboração de uma lei específica regulando os assuntos da infância e juventude, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.4         A Entidade Familiar

A Família sempre foi definida pela sociedade, pelo Estado e pelo mundo jurídico como a união que envolve duas pessoas, um homem e uma mulher (que assumiram direitos e deveres, mas que permaneceram com a liberdade de romper o “contrato” que elaboraram em conjunto) podendo ser dissolvida quando estas não os satisfizer mais.

O Direito de família, amplamente influenciado pelo direito canônico, sempre ligou a família ao casamento, considerando ilegítima qualquer pretensão à família se a origem não fosse o matrimonio, o qual, pelo direito canônico, era uma instituição criada por Deus, gerando união indissolúvel, cuja finalidade, além dos deveres matrimoniais, envolvia a procriação.

Grandes transformações históricas, culturais e sociais fizeram com que o Direito de Família seguisse seus próprios rumos, com as adaptações à nossa realidade, perdendo o caráter canônico e dogmático intocável.

A legislação Brasileira sofreu de profundas modificações em relação à família, trazendo a Constituição Federal de 1988 grandes mudanças no seu entendimento. A família, em essência, deixou de ser considerada somente como “entidade jurídica”, para ser concebida, primordialmente, como “entidade natural”, o que não ocorria em nenhuma das Constituições anteriores, nas quais o que a constituía era o casamento.

Assim surgiu o atual sentido de Entidade Familiar, no qual a família passou a indicar um grupo de pessoas, ligadas por um vínculo consanguíneo ou afetivo, dentre as quais existe partilha e comunhão de vida. É a organização básica de toda e qualquer sociedade.

A família, base da sociedade, detém especial proteção do Estado, não só a regularmente constituída pelas rígidas regras destinadas ao matrimônio, como também a Entidade Familiar decorrente da União Estável entre um homem e uma mulher. Leis foram editadas para que norma hierárquica, contida na Constituição Federal, tivesse seu integral cumprimento.

A norma mencionada é o artigo 226, no qual consta: “É assegurada à família especial proteção do Estado”, envolvendo o termo “família” em sentido amplo, abrangendo não só aquela formada pelo casamento, como também a oriunda da união estável, expresso no parágrafo 3º: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar (…)” e a monoparental encontra-se manifesta no parágrafo 4º: “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

A Constituição consagrou a união estável como entidade familiar. Impôs ao Estado o dever de protegê-la, pois reconheceu, ao lado da família tradicional, a oriunda da união estável, estendendo a sua proteção aos filhos que dessa união se originarem, proteção esta expressa no parágrafo 6º do artigo 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (…)

Parágrafo 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Desta forma, são três os tipos de família previstos na Constituição Federal de 1988: a família Tradicional, constituída pelo casamento civil; a família Natural, oriunda da união estável, constituída pela união do homem e da mulher sem casamento civil; e a Monoparental, constituída por um ascendente, homem ou mulher, e seus descendentes.

1.5          Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA)

A Constituição da República e, depois, o Estatuto da Criança e do Adolescente são a expressão de um novo projeto político de nação e de País.

Inspirado pelas normas contidas nas CF/88 conjuntamente com a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, o legislador brasileiro sancionou o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, que traz em seu corpo todas as determinações necessárias à defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz, no seu conjunto de medidas, uma nova postura a ser tomada tanto pela família, pela escola, pelas entidades de atendimento, pela sociedade, como pelo Estado, objetivando, resguardar os direitos das crianças e adolescentes, zelando para que não sejam sequer ameaçadas.

Destaca Tavares (2002, p. 09), que:

Vê-se que a abrangência da nova lei é bem maior que a do Novo Código de Menores – Lei nº 6.697, de 10/10/1979, ora revogado. O regime anterior circunscrevia-se aos menores em “situação irregular”. O atual se estende a toda criança e a todo adolescente em qualquer situação jurídica.

Um estatuto nada mais é que o conjunto de leis orgânicas de uma sociedade, logo, o ECA é o conjunto de leis que organizam e regem todos os direitos e deveres que envolvem as relações jurídicas, tendo como sujeitos, de um lado, crianças e adolescentes, de outro, Família, Sociedade, e Estado. Transformando-se na legislação específica aplicável quanto a essas controvérsias, sem suprimir, contudo, as legislações complementares especiais, como, por exemplo, a Consolidação das Leis Trabalhistas.

Assim, a finalidade deste abrange tanto a proteção, como já foi dito, de forma integral dos direitos da criança e do adolescente, encontrando-se em qualquer situação ou classe social, como, também, a função de exigir dos pais ou responsáveis e do Estado, que tem responsabilidade solidária, neste caso, o cumprimento integral de suas determinações.

As crianças e os adolescentes encontram-se dentro da estrutura organizacional da sociedade, em uma posição desfavorável e renegada, tendo em vista que são seres em formação, logo, não possuem o discernimento necessário para lutar pela garantia e manutenção de seus direitos, cabendo ao Estado, como ente, maior, a responsabilidade de favorecer a sua inclusão social, visando à interação dos mesmos com o meio comunitário.

A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989, tem como um de seus princípios fundamentais o fato de que todos os direitos se aplicam a todas as crianças, sem exceção. O Estado tem obrigação de proteger a criança contra todas as formas de descriminação e de tomar medidas positivas para promover os seus direitos. Logo, o ECA tem a função de regulamentar essa promoção.

O ECA tem a missão de colocar essa teoria em prática, de servir como fundamento ao reconhecimento e consideração das peculiaridades de todo ser humano em fase de desenvolvimento, conscientizando-se que nele está a manutenção e o progresso do Estado como nação soberana.

1.5.1         Elemento Institucional: A Teoria da Proteção Integral

A Doutrina da Proteção Integral é a base de todas as regulamentações contidas no ECA e outras leis complementares, as quais tiveram por base a CF/88. A Carta Magna foi o primeiro e mais importante instrumento normativo brasileiro a tomar por fulcro a citada teoria, que é traduzida na ideia de que toda e qualquer criança e adolescente é sujeito de direitos, logo, suas necessidades devem ser consideradas primordiais e supremas perante à família, à sociedade e, principalmente, ao Estado.

Como bem acentua Cury (2002, p. 21-22):

A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a ideia de que sejam simples objetos de intervenção do mundo adulto, colocando-os como tutelares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento.

Cumpre salientar que a Convenção de ONU de 1989, ato legislativo básico, foi importante por invocar esta teoria ao reconhecer a situação de vulnerabilidade da pessoa em fase de desenvolvimento, aplicando, assim, uma política de cuidados especiais como meio de corrigi-la.

Com a Proteção Integral, todas as normas que tratam dos interesses da infância e da juventude devem ser interpretadas de forma mais favorável à criança e ao adolescente, não cabendo discutir quais os seus efeitos práticos, preconizando-se, acima de tudo, o bem-estar da criança. O descumprimento por parte da família ou do Estado do direito objetivo cria para a criança ou adolescente o direito subjetivo de invocar a aplicação coercitiva da norma.

Em suma, como o próprio nome diz, a Proteção Integral se resume na ideia de que a condição de vulnerabilidade em que se encontram as crianças e adolescentes perante a sociedade devem ser suprimidas em todos os seus ramos, sejam eles jurídicos, econômicos, biopsicológicos e sociais, proporcionando-os combater, respeitadas todas as espécies de desigualdades, os conflitos sociais que porventura surgirem em seu caminho que possam vir a servir de obstáculos a sua plena e completa formação.

Desta forma, depreende-se que a Teoria da Proteção Integral veio a reconhecer que crianças e adolescentes devem ser tratados de acordo com suas peculiares, sendo obrigação do Estado, através das políticas públicas, articular-se de forma a viabilizar a satisfação desses interesses, em prol do bem-estar da sociedade como um todo.

1.5.2  Os Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente

Os Direitos Fundamentais, ou Liberdades Públicas ou Direitos Humanos é definido como conjunto de direitos e garantias do ser humano institucionalização, cuja finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, visa garantir ao ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Esta proteção deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva.

O principal aspecto do ECA é especificar os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente no que diz respeito à vida e à saúde, à liberdade, respeito e dignidade, educação cultura, esporte e lazer, e a profissionalização e proteção no trabalho.

Conforme Tavares (2002,p. 83):

A Constituição Federal estabelece o princípio geral das garantias fundamentais aos direitos individuais e, assim também, aos direitos sociais, nucleados no artigo 5º, que proclama no caput a inviolabilidade dos bens maiores: a vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, como se vê, para todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país. No artigo 227 estabelece-se o princípio da proteção integral direcionando tais garantias para a população infanto-juvenil. E determinou a prioridade no atendimento a este dever nacional – do Estado, da família, da comunidade e de todos os cidadãos, enumerando, ao lado daqueles fundamentais “de todos”, de que fala o artigo 5º, alguns especialmente acrescentados e destinados a esse alvo em especial: vida, saúde, alimentação, educação, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, família, comunidade.

Além disso, o art. 227 da CF/88, explicita claramente a condenação legal contra toda e qualquer forma de ameaça ou violação dos direitos, sob forma de violência, exploração, descriminação ou negligência, responsabilizando o poder público pela implementação de políticas sociais “que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (Art. 7º, ECA).

Para a maioria dos juristas, tais como Cury, Tavares, Morais, dentre outros, os principais direitos são enumerados em oito, quais sejam: a) Vida e Saúde: O direito de viver traduz-se em garantir a vida com dignidade, satisfazendo maiores cuidados e maior proteção, justamente por estarem as crianças e os adolescentes em fase de formação. A Saúde é um direito complementar ao direito de viver, posto que não se concebe a ideia de vida digna sem saúde; b)  Educação e Cultura: Em seu artigo 205, a CF/88 garante o direito ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e o seu preparo para a cidadania. O artigo 6º do ECA diz que o direito à educação e aos bens culturais é de fundamental importância para todas as pessoas, notadamente as que vive em condição peculiar da fase de desenvolvimento biopsicossocial. A educação engloba tanto o ensino regular (nas escolas) como as atividades educativas informais, para tanto, foi determinada responsabilidade solidária da família, da sociedade e do Estado; c) Esporte e Lazer: O lazer é um direito social considerado como uma das necessidades vitais e básicas (CF/88, art. 7º, IV); d) Trabalho e Previdência: No Brasil é proibido o exercício do trabalho profissional de qualquer forma ao menor de 14 anos; entre 14 e 16 anos, existe a possibilidade de aprendizagem e, a partir dos 16 anos, é permitida o exercício de alguns tipos de trabalho; e) Ordem Pública e Segurança Social: A ordem pública é um instrumento garantidor do exercício dos direitos públicos e privados. A segurança que o Estado deve prestar ao povo, em geral, e a cada pessoa humana, e, particular tem peculiaridades no trato com a população infanto-juvenil, definidos por várias normas constantes do ECA; f) Liberdade Individual e Dignidade Humana: A liberdade garantida pela CF/88, como em todas as constituições do mundo democrático, moderno, não é apenas a liberdade física de ir e vir, mas sim, todos os direitos inerentes a pessoa, tais como: fazer o que quiser, desde que não seja defeso em lei, respeito a vida íntima, honra e opinião dentre outros. (Todos esses fatores que permeiam a existência de uma vida digna diante dos atuais padrões sociais); g) Convivência Familiar: A família é considerada pelo ECA como a entidade familiar nos termos constitucionais, não restrita apenas a família como núcleo (pai, mãe, filhos). O ambiente ideal para o desenvolvimento equilibrado da criança e do adolescente é o seio da família, seja ela natural ou substituta; h) Assistência Social e Integração Comunitária: A assistência social é uma garantia constitucional definida no artigo 203 da CF/88. Ela deverá ser prestada a quem dela necessitar sem distinção de qualquer ordem, sendo através dos programas de assistência social que se pode realizar a integração da criança e do adolescente no meio comunitário, transformando-o num cidadão igual a todos os outros.

1.6    A Legislação Internacional Referente à Criança e ao Adolescente

Como sempre ocorre em todos os ramos do Direito, a legislação brasileira a respeito do Direito da Criança e do Adolescente, é orientada segundo os princípios estabelecidos na Constituição de 1988, que estão em consonância com as disposições da Convenção dos Direitos da Criança da ONU e das Convenções nº 138 e 182 da OIT.

A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU é um dos documentos mais importantes da história do Direito Internacional no que tange à infância e juventude, pois, exige de todos os países que reconhecem a defesa dos direitos das crianças, conforme a Doutrina da Proteção Integral, sob a qual as crianças e os adolescentes (que são considerados igualmente crianças pela Convenção) devem ser protegidos e amparados acima de tudo, tendo em vista as peculiaridades de sua condição de ser em desenvolvimento.

1.6.1     As Convenções da Organização Internacional

do Trabalho

A Convenção é um instrumento normativo da OIT. É um meio do sistema internacional de Direitos Humanos tornarem suas disposições vinculantes, ou seja, de cumprimento obrigatório pelos países que a ratificam.

A Convenção nº 138 trata da idade mínima da admissão do emprego, datada de 06 de junho de 1973 e constitui o mais importante instrumento normativo de luta contra o trabalho infantil. Cada país que ratificá-la estará obrigado a adotar política efetiva de abolição ao trabalho infantil. Ela determina, no geral, a idade mínima de 15 anos para o ingresso no mercado de trabalho, em todos os setores da atividade produtiva (para trabalhos perigosos, a idade mínima é de 18 anos e, para trabalhos leves, é de 14 anos). É uma norma que busca atender ao nível de desenvolvimento socioeconômico dos diferentes países membros da OIT e admite iniciativas a médio e longo prazo. Mas que, devido a essa flexibilidade se torna deveras perigosa, posto que dá margens à variações inúmeras de idade, que não dificilmente podem acabar legalizando o trabalho infanto-juvenil de maneira mascarada, burlando normas legais e satisfazendo aos interesses da sociedade capitalista.

A Convenção nº 182 cuida das piores formas de trabalho infantil e estabeleceu que os países ratificantes deveriam tomar providências para a efetiva erradicação através da concentração de esforços da fiscalização do trabalho, com o intuito de evitar a utilização de crianças nas seguintes condições:

–     todas as formas de escravidão e práticas análogas, promovendo o tráfico de crianças, o trabalho forçado ou obrigatório, a servidão por dívidas, e a condição de servo;

–     a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;

–     a utilização, o recrutamento ou a oferta de criança para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de substâncias entorpecentes, tal como se definem nos tratados internacionais pertinentes;

–     qualquer outro tipo de trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que se realiza possa supor ameaça a saúde, a segurança ou a moralidade das crianças.

   Estas Convenções demonstram que a proteção à infância e a juventude é um dos elementos essenciais na “luta pela justiça social e pela paz universal” – que é o lema da Organização Internacional do Trabalho. A OIT entende que o trabalho infantil, além de não constituir trabalho digno e ser contrário ao combate pela redução da pobreza, sobretudo subtrai das crianças a saúde, o direito à educação, ou seja, sua própria vida enquanto crianças.

O Brasil já ratificou duas normas internacionais da OIT que tratam desta matéria: A Convenção 138 sobre a idade mínima para admissão ao emprego e a Convenção 182 sobre as piores formas de trabalho infantil. A ratificação dessas Convenções representa a consolidação de um comprometimento nacional com a efetiva erradicação do trabalho infantil.

Essas Convenções da OIT, como todas as demais, são tratados internacionais.

  1. O TRABALHO INFANTIL E A TUTELA LEGAL

 

A proteção especial ao trabalho da criança e do adolescente é tema por demais relevante, recebendo trato desde os tempos mais remotos, inicialmente de forma tímida, recebendo, com o passar dos anos, maior notoriedade.

O trabalho é um elemento essencial ao desenvolvimento do homem, pois, o dignifica e aperfeiçoa os seus conhecimentos, fatores que vem a propiciar a sua realização profissional gerando a manutenção de sua família através de seu próprio esforço.

Para Jacqueline Russ (1994, p. 297):

O trabalho pode ser compreendido como a atividade consciente e voluntária, pela qual o homem exterioriza no mundo fins destinados a modificá-lo, de maneira a produzir valores ou bem social ou individualmente úteis e satisfazer assim suas necessidades.

Logo, a forma como o trabalho é realizado em diversas sociedades, ao longo do tempo, aproxima-se ou distancia-se desta definição, ao mesmo tempo em que modificam o mundo pelo trabalho, os seres humanos também se modificam, estabelecendo relações entre si, criando e renovando a cultura. Contudo, há trabalhos que embrutecem e deformam, além de não proporcionarem condições para escapar da situação de penúria e privação na vida pessoal, familiar e social. O trabalho infantil pode ser incluído nesta última perspectiva.

A convenção da ONU de 1989, no seu artigo 32 determina que a criança (até os 18 anos) tenha o direito de ser protegida contra qualquer trabalho que ponha em perigo a sua saúde, a sua educação, o seu desenvolvimento. O Estado deve fixar idades mínimas de admissão no emprego e regulamentar as condições de trabalho.

O trabalho infantil é um sério problema social, posto que suas consequências podem acarretar sérios prejuízos ao desenvolvimento físico, mental e social da criança e do adolescente, os quais provavelmente influirão tanto no futuro destes quanto no progresso da sociedade, visto que a mesma estará repleta de cidadãos incompletos e incapazes de uma plena vida comunitária, sem perspectiva de futuro, tendo em vista que lhe foram negadas uma formação educacional e uma participação cultural em meio a sociedade.

Segundo uma leitura extremamente restrita da legislação em vigor no Brasil, pode-se dizer que o trabalho infantil é aquele realizado por crianças e adolescentes que estão abaixo da idade mínima para a entrada no mercado de trabalho. No entanto, faz-se imprescindível complementar esta ideia, analisando-se certos aspectos de cunho cultural, econômico e social. Em algumas sociedades, a transmissão cultural dá-se através da realização de trabalhos sob a supervisão paterna como parte integrante do processo de socialização, transmitindo aos filhos técnicas tradicionalmente adquiridas. Contudo, não se deve confundir essa situação com aquela em que as crianças são obrigadas a trabalhar para ganhar seu sustento e o de suas famílias.

Desta forma, os parâmetros mais corretos para caracterizar o trabalho infantil são as condições de exploração e os prejuízos à saúde e ao desenvolvimento da criança ou adolescente que realiza a atividade laborativa.

Atualmente, compreende-se que o trabalho infantil, ainda que seja para garantir a continuidade de uma tradição familiar, para dividir responsabilidades no lar ou para ajudar na lida do campo, não pode impedir que elas exerçam seus direitos à educação e a brincar, condições essenciais ao seu pleno desenvolvimento.

Neste sentido, não há como negar que, o processo de formação física, psíquica e intelectual da criança e do adolescente é diferenciado, e, a forma de tratamento dispensada pelo ordenamento jurídico a estes indivíduos também merece conter em sua estrutura institutos que atuem distinguindo-os dos demais indivíduos.

2.1   A Legislação Combativa ao Trabalho Infantil no Brasil

Nas relações de trabalho, a prática do trabalho infantil (englobando-se aqui a criança e o adolescente), em desconformidade com os ditames legais, torna-se um exemplo de grave desrespeito à dignidade da pessoa humana, atentando contra os chamados Direitos Humanos Fundamentais Trabalhistas, atingindo, por sua vez, sujeitos de direitos que gozam de especial amparo jurídico.

O Brasil conta com uma estrutura jurídica considerada bastante desenvolvida a respeito do trabalho infanto-juvenil.

Quanto a idade limite para o trabalho, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) considera como “menor” o trabalhador de 14 até 18 anos de idade, sendo proibido o trabalho ao menor de 17 anos, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (arts. 402 e 403). Já o ECA, veda o trabalho ao menor de 14 anos, salvo na condição de aprendiz (art. 60). Contudo a idade mínima para qualquer trabalho passou de 14 para 16 anos com o advento da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, que deu nova redação ao artigo 7º, inciso XXXIII da CF/88.

Assim, no Brasil para todos os efeitos, é proibida qualquer espécie de trabalho ao menor de 16 anos, excetuando-se o caso da aprendizagem, que é permitida a partir dos 14 anos.

Quanto ao desempenho da atividade laboral por crianças por crianças e adolescentes, são passiveis de destaque: a CLT, que destina um capítulo à “Proteção do Trabalho do menor”; o ECA, em seus artigos 61 a 69; bem como a CF/88, em seu artigo 227.

A CLT, dos artigos 403 a 410, trata dos trabalhos que devem ser proibidos à população infanto-juvenil, bem como as formas de fiscalização destas proibições pelo Ministério do Trabalho, priorizando a frequência escolar.

Os arts. 61 a 69 do ECA tratam da proteção ao trabalhador adolescente, atribuindo-lhe direitos como a garantia de acesso à escola e ao lazer, prevendo, para tanto, a instituição de um Sistema de Garantia de Direitos (SGD) e de um Sistema de Proteção, mostrando como eles devem ser implementados, estabelecendo concomitantemente um sistema de denúncias.

Por fim, está a CF/88, que em seu artigo 227, como já fora dito anteriormente, determina quais são os deveres da família, da sociedade e do Estado para com a criança e o adolescente, dentre os quais está presente a exigência do respeito à idade mínima, no caso do trabalho precoce.

2.2       O ECA e o Trabalho Infantil

No que se refere ao trabalho infanto-juvenil, o capítulo V do ECA é inteiramente dedicado ao tema. Embora o estatuto tenha definido a idade mínima de 14 anos para admissão ao trabalho, a legislação constitucional posterior, como já mencionado, determinou a idade mínima de 16 anos, o trabalho com criança de 0 a 14 anos permanece terminantemente proibido; e , ao adolescente entre 14 e 16 anos é facultativo o trabalho na condição de aprendiz.

Para o Eca a criança e o adolescente são seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, de forma que a necessidade de trabalhar não deve prejudicar o seu regular crescimento, daí porque, exige-se que até o limite de idade estabelecido legalmente, não devam se afastar da escola e do lar, lugar onde receberão as condições necessárias a sua formação e futura integração na sociedade. O trabalho prematuro, ou em condições impróprias, acarreta lesões irreparáveis e com reflexos extremamente nocivos a saúde.

A Doutrina da Proteção Integral, que é a base do Estatuto, como consta do Preâmbulo da Declaração dos Direitos da Criança da ONU (1990, p. 01), diz que:

É importante preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na sociedade e ser educada no espírito dos ideais proclamado na Carta das Nações Unidas, em particular, no espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade e solidariedade.

O Estatuto criou mecanismos de proteção nas áreas de educação, saúde, trabalho e assistência social. Ficou estabelecido o fim da aplicação de punições para adolescentes, tratados com medidas de proteção em caso de desvio de conduta e com medidas socioeducativas em caso de cometimento de atos infracionais.

2.2.1             A Aprendizagem

Segundo o ECA, seja qual for a atividade laborativa, ela deverá ser baseada na Doutrina da Proteção Integral e na legislação em vigor, que só admite duas formas de trabalho infanto-juvenil: 1) a relação de emprego admitida para os maiores de 16 anos; 2) ou através da aprendizagem, a partir dos 14 anos.

A aprendizagem deve ser realizada pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, instalados em todo o país por organizações credenciadas de ensino profissionalizante ou na própria empresa, desde que supervisionada pelos órgãos públicos responsáveis das Secretarias de Educação e Delegacias do Trabalho e que sejam observadas as regras de proteção ao trabalhador previstas na CLT. O Estatuto determina, porém, em seu artigo 68, sobre trabalho educativo, que as exigências pedagógicas, relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevaleçam sobre o aspecto produtivo.

O contrato de aprendizagem, conforme o artigo 428 da CLT, é especial, devendo ser feito por escrito e com prazo determinado. Ao empregador cabe o dever de garantir ao aprendiz formação técnico-profissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e, ao aprendiz, cumpre executar com zelo e diligência as tarefas necessárias para sua formação.

Em síntese dos artigos 62 e 63 do ECA, pode-se dizer que aprendizagem é a formação técnico-profissional ministrada conforme as diretrizes e bases da legislação de educação vigente, obedecendo aos princípios de garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular, logo, deve ser atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e com horários específico para o exercício de suas atividades, escolares ou não.

2.3    Espécies de Trabalho Proibidas

Os trabalhos proibidos são aqueles vedados pela CF/88 em seu artigo 7º, XXXIII e acrescidos/complementados pelo artigo 67 do ECA, como forma de proteger o adolescente trabalhador.

Dispõe o artigo 67:

Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, é vedado trabalho:

I – noturno, realizado entre as vintes e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte;

II – perigoso, insalubre e penoso;

III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;

IV – realizada em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

Há de se convir que o trabalho noturno é concretamente prejudicial à criança e ao adolescente, visto que lhe priva do período reservado ao repouso necessário a manutenção de sua saúde, além do fato, que o adolescente trabalhador, em sua maioria, se utiliza deste horário para estudar.

A proibição ao menor de 18 anos de efetuar trabalhos insalubres é devida ao fato de que, pela própria natureza da atividade ou as condições em que é realizada, esta ocasiona prejuízo a saúde, podendo causar doenças.

O trabalho perigoso é aquele em que o adolescente entra em contato com elementos inflamáveis ou explosivos, ou onde haja, a manipulação de energia elétrica e fios de alta tensão, condições que podem ser um risco para a integridade física e a vida do trabalhador adolescente.

O trabalho penoso é realizado sob condições sacrificantes, tais como o realizado em minas ou subsolos, pedreiras, obras de construção civil, ou seja, que necessitam de grande esforço físico.

O inciso III do artigo 67 traz a proibição de trabalho que possa prejudicar a formação física, psicossocial e moral da criança ou adolescente, neste ponto, concentra-se grande celeuma, envolvendo o trabalho de crianças e adolescentes no meio artístico, principalmente televisivo.

É a exploração econômica de crianças e jovens adolescentes em prol da manutenção de interesses, por vezes, alheios a sua vontade e necessidade. Em contraponto, tem-se a miserabilidade que atinge a linha da pobreza, pessoas de baixa renda, que se aproveitam dos menores de idade como fonte de mão de obra barata, além de, visivelmente, se aproveitar da condição de fragilidade que a imaturidade acarreta, tanto na criança como nas pessoas que o cercam, provocando inúmeros prejuízos ao seu futuro.

E, ainda, é vedado o trabalho que prejudique a educação da criança e do adolescente, posto que esta é seu direito fundamental mais importante, não comportando nenhuma exceção.

2.4    A Organização Internacional do Trabalho e o Combate ao Trabalho Infantil

A OIT é a principal organização na luta por melhores condições de trabalho no mundo. Criada em 1919, está sediada em Genebra, e é uma das agências especializadas da ONU. O seu objetivo é buscar a melhoria das condições de trabalho e elevação do padrão de vida do trabalhador.

Como entidade comprometida com a crença da Justiça Social e da Paz Universal, a OIT entende que o trabalho infantil:

Além de não constituir trabalho digno e ser contrário a luta pela redução da pobreza, sobretudo rouba das crianças sua saúde, seu direito a educação, ou seja, sua própria vida enquanto crianças – para a OIT o termo ‘criança’ refere-se a pessoas com idades inferiores a 18 anos.

Preocupada com o problema do trabalho infantil, a OIT lançou o programa internacional para a eliminação do trabalho infantil (IPEC)[5] em 1992, com a finalidade de estimular, orientar e apoiar iniciativas nacionais na formação políticas e ações diretas que coíbam a exploração da infância, com o apoio financeiro de 22 países doadores. O IPEC visa a erradicar progressivamente o trabalho infantil, com o fortalecimento da capacidade de cada Estado, bem como com o incentivo a mobilização mundial, no sentido de solucionar o problema.

A OIT, utilizando-se de instrumentos normativos como Convenções e Recomendações sobre o trabalho, impõe aos países signatários o dever e o compromisso de fazer cumprir-se as suas determinações, dentre eles o Brasil.

2.5    Os Programas de Combate ao Trabalho

Infantil no Brasil

A partir da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, as crianças brasileiras, sem distinção de raça, classe social, ou qualquer forma de discriminação, passaram de objetos a serem <<sujeitos de direitos>>, considerados em sua <<peculiar condição de pessoas em desenvolvimento>> e a quem se deve assegurar <<prioridade absoluta>> na formulação de política públicas e destinação privilegiada de cursos nas dotações orçamentárias das diversas instâncias político-administrativas do País.

No Brasil, as políticas públicas direcionadas especificamente ao combate do trabalho infantil, começaram na década de 80, quando após a Assembleia Constituinte de 1988, foram criadas Comissões de Combate ao trabalho infantil, nas Delegacias Regionais do Trabalho, em todo o país, que posteriormente evoluíram para núcleos e depois para grupos.

Em 1992, o Brasil passa a fazer parte do IPEC, ratificando a orientação da OIT. E, em 29 de novembro de 1994, instala-se o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que contou com a participação de organizações governamentais e não governamentais, sindicatos, empresários, Ministério Público, e, com apoio técnico e financeiro da OIT e do UNICEF.

O Ministério do Trabalho, em 1996, criou núcleos estaduais de combate ao trabalho infantil e de proteção ao adolescente trabalhador com o objetivo de direcionar as fiscalizações para as áreas de maior ocorrência.

O PETI foi lançado, oficialmente, no estado do Mato Grosso do Sul, onde era deveras gravosa a situação de crianças e adolescentes que trabalhavam nas carvoarias, sendo, extensivamente, aplicado às famílias que laboram na colheita de erva-mate na região sul do estado, fronteira com o Paraguai. Também foram acolhidos pelo programa os estados da Bahia e Pernambuco, nos quais se encontravam facilmente crianças e adolescentes na produção de carvão e cana-de-açúcar.

A partir de 1997, o programa foi estendido para outros Estados, tendo por objetivo fomentar projetos que visem à erradicação do trabalho infantil, proporcionar apoio e orientação às famílias, incentivar a ampliação do universo de conhecimento da criança e do adolescente, promover a operacionalização e o sucesso escolar e conceder uma complementação mensal de renda – a Bolsa Criança Cidadã – às famílias. Cada família recebe R$ 25,00, na zona rural e R$ 40,00, na zona urbana, por criança afastada do trabalho.

A erradicação do trabalho infantil passa a ser uma das metas prioritárias do Governo Federal, que instituiu o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), já sob a égide do Ministério da Previdência e Assistência Social.

Em fevereiro de 2004, o Governo Federal cria o Programa Bolsa-Família, que, baseado numa ação de transferência de renda, aglutinou programas como o Bolsa-Escola, Fome Zero e o Bolsa Alimentação, visando, teoricamente, a substituição do trabalho infantil pela educação das crianças e adolescentes provenientes de família de baixa renda, que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica, intentando a sua inclusão social.

O Programa Bolsa Família foi criado para apoiar as famílias mais pobres e garantir a elas o direito a alimentação e o acesso à educação e à saúde. O programa visa a inclusão social dessa faixa da população brasileira, por meio da transferência de renda e da garantia de acesso a serviços essenciais. Em todo o Brasil, mais de 11 milhões de famílias são atendidas pelo Bolsa Família.

A população alvo do programa é constituída por famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. As famílias extremamente pobres são aquela que têm renda per capita de até R$ 70,00 por mês. As famílias pobres são aquelas que têm a renda per capita entre R$ 70,01 a R$ 140,00 por mês, e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes entre 0 a 17 anos.

O programa Bolsa Família tem por objetivos combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; combater a pobreza e outras formas de privação das famílias; promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, saúde, educação, segurança alimentar e assistência social; e criar possibilidades de emancipação sustentada dos grupos familiares e desenvolvimento local dos territórios.

  1. 3.      O ECA E A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ATRAVÉS DOS PROGRAMAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

 

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI – é uma política assistencial do governo federal que tem como objetivo retirar as crianças e os adolescentes, de 7 a 14 anos de idade, do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante, ou seja, aquele trabalho que coloca em risco a saúde e a segurança dos mesmos.

Idealizado dentro de uma concepção histórico-social, o PETI procura conjugar os esforços das três esferas do governo (Legislativo, Executivo e Judiciário) em consonância com a participação da sociedade, tendo como público alvo as famílias vulnerabilizadas pela pobreza e a exclusão social.

Segundo as Diretrizes Normas do Programa, contidas na portaria nº 2. 917, de 12 de setembro de 2000, resolução nº5, de 15 de fevereiro de 2000, em seu art. 1º:

O PETI foi idealizado dentro de uma concepção de gestão intergovernamental, de caráter intersetorial, sendo necessário que todas as instâncias trabalhem de forma pactuada e integrada dentro das competências de cada esfera do governo, envolvendo, em todas as etapas, a participação da sociedade civil (…), concretizada por meio dos Conselhos de Assistência Social, dos Conselhos de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, dos Conselhos Tutelares e das Comissões Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. (MPAS/SNAS,1997).

O Programa, além da sua meta principal – a retirada de crianças e adolescentes do trabalho que traga prejuízos ao seu desenvolvimento psicossocial e físico – contém objetivos complementares, tais como: possibilitar o acesso, a permanência e o bom desempenho de crianças e adolescentes na escola; fomentar e incentivar a ampliação do universo de conhecimento da criança e do adolescente, por meio de atividades culturais, esportivas, artísticas e de lazer, no período complementar a escola; proporcionar apoio e orientação as famílias por meio de oferta de ações sócio-educativas; implementar programas e projetos de geração de  trabalho e renda para as famílias; e, uma complementação da renda mensal das famílias através da Bolsa Criança Cidadã.

As ações desenvolvidas no âmbito do PETI devem ter como foco de atenção a família, a qual deve ser trabalhada por meio de ações sócio-educativas e de geração de trabalho e renda, que viessem garantir a sua proteção e inclusão social, promovendo melhorias na sua qualidade de vida. A família deve ser reconhecida como a entidade central da formação de qualquer ser humano, posto que é nela que o homem aprende que é sujeito de direitos e obrigações, bem como se prepara para o convívio social, contribuindo para o seu processo emancipatório, em razão de serem protagonista de seu próprio desenvolvimento.

O PETI tem por principal missão o combate ao trabalho infanto-juvenil, através do repasse de recursos aos estados e municípios para o pagamento de bolsas e manutenção de jornadas ampliadas, com o objetivo de retirar as crianças do trabalho e mantê-las na escola. Para tanto, o mesmo trabalha com o eixo da sensibilização da sociedade sobre os malefícios do trabalho infantil que atua sobre o fortalecimento das famílias das crianças trabalhadoras, especialmente com a implementação de programas de geração de emprego e renda.

3.1      Os Critérios de Aplicação do PETI

De acordo com a Portaria nº 2.917, de 12 de setembro de 2000 (que estabelece as diretrizes e normas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), o PETI é destinado, prioritariamente, às famílias com renda per capta de até ½ salário mínimo, com crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, trabalhando em atividades consideradas perigosas, insalubres, penosas e degradantes.

O programa é regido pelo Plano de Ações Integradas, que define as ações que devem ser efetivadas, elencando as prioridades, as responsabilidades dos parceiros, o cronograma de execução e as formas de articulação com as instituições e entidades participantes, a partir da identificação das causas e consequências do trabalho infantil nas situações apontadas. Esse plano serve como instrumento executivo para o desenvolvimento dos trabalhos do PETI.

Além da concessão de uma complementação financeira, por meio da Bolsa Criança Cidadã – que é de R$ 25,00, na zona rural, e, de R$ 40, 00, zona urbana, por cada criança entre 7 e 14 anos de idade -, o PETI prevê e exige a implementação de jornadas ampliadas. Estas consistem em aumentar o tempo de permanência da criança e do adolescente na escola, incentivando um segundo turno de atividades nas unidades escolares ou de apoio, visando o desenvolvimento de potencialidade das crianças e adolescentes com vistas as melhorias de seu desempenho escolar inserção no circuito de bens, serviços e riquezas públicas.

Segundo o Caderno de Captação do PETI (2001, p.09), a jornada ampliada é: “a ação educativa complementar a escola desenvolvida através de atividades que proporcionam o enriquecimento do universo informacional, cultural, esportivo e artístico, das crianças e adolescentes”. Esta, por sua vez, é dividida em dois núcleos;

1)     Núcleo Básico: É considerado o enriquecimento do universo informacional, cultural e lúdico de crianças e adolescentes, devendo acontecer através de atividades complementares e articuladas entre si, destacando aquelas voltadas ao desenvolvimento da comunicação, da sensibilidade, e habilidades para a vida e de trocas culturais, fortalecendo a autoestima em estreita relação com a família, escola e comunidade.

2)          Núcleo Específico: Este núcleo é voltado para o desenvolvimento de uma ou mais atividades artísticas, desportivas e/ou aprendizagem, tais como: atividades artísticas em suas diferentes linguagens que favoreçam a sociabilidade e preencham necessidades de expressão e trocas culturais; práticas desportivas que favoreçam o autoconhecimento corporal, a convivência grupal e o acesso lúdico; atividades de apoio ao processo de aprendizagem por meio de reforço escolar dirigidos aos interesses e demandas, especificidades locais e capacidade técnico-profissional do órgão ou organização proponente.

Neste ponto é importante salientar que a jornada ampliada deve manter uma perfeita sintonia com a escola, cabendo ao setor educacional promover uma proposta pedagógica plausível à sua aplicação.

A implantação do PETI é de responsabilidade dos governos municipais, porém, com o apoio dos estados e da federação. Desta forma, deve ser financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social e co-financiado pelos estados e municípios, podendo ainda contar com a participação financeira da iniciativa privada e da sociedade civil.

No que tange à permanência das famílias no PETI, a portaria nº 2.917/00, estabelece os seguintes critérios:

a)         Retirada de todos os filhos menores de 16 anos de atividades laborais;

b)         Manutenção de todos os filhos da faixa etária de 7 a 14 anos na escola;

c)         Apoio a manutenção dos filhos nas atividades da jornada ampliada;

d)         Participação nas atividades sócio-educativas;

e)         Participação nos programas e projetos de qualificação funcional e de geração do trabalho e renda.

O Caderno de Capacitação do PETI (2001), elaborado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, demonstrando a importância da participação familiar, dispõe:

A família, enquanto núcleo natural e fundamental da sociedade, é, sob a ótica da Assistência Social, o lugar por excelência de proteção e inclusão social, nesta perspectiva, os serviços e ações assistenciais dirigidas as famílias devem favorecer ao fortalecimento dos laços familiares, oportunizar a criação dos espaços de socialização e construção de identidades e permitir ao grupo familiar se perceber como ente participativo e sujeito de direitos aos bens e serviços produzidos pela comunidade.

3.2      O Funcionamento do Programa

O PETI tem por base três eixos principais: a educação (por meio escolar), a jornada ampliada e o trabalho com as famílias.

A concessão da Bolsa Criança Cidadã irá depender da frequência mínima mensal de 75% da criança e do adolescente nas atividades de ensino regular e da jornada ampliada, podendo ser adotado um percentual maior, à critério da Secretarias Estaduais de Educação, em conjunto com as Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil.

As atividades da jornada ampliada deàvem acontecer de segunda a sexta-feira. Durante todo o mês, quatro horas em cada turno, funcionando em horário complementar a escola. Deverão ser observados os padrões mínimos de qualidade da jornada ampliada. E nos períodos de férias escolares, a jornada será desenvolvida, seja por meio de atividades normais ou de colônia de férias, passeios culturais, etc. mesmo nestes períodos serão repassados os recursos para o pagamento das Bolsas às famílias e para a manutenção das jornadas ampliadas.

A suspensão temporária da concessão da bolsa ocorrerá quando não for atingida a frequência acima especificada ou quando as famílias não atenderem aos critérios de permanência. A suspensão definitiva, poderá ocorrer quando o adolescente completar a idade limite estipulada pelo Programa (15 anos) ou quando a família atingir o período máximo de 04 anos de permanência no PETI, tempo este contado a partir da sua inserção em programas e projetos de geração de trabalho e renda.

3.3      ECA e PETI: Os Reflexos da Teoria da

                 Proteção Integral

O legislador pátrio, ao reconhecer como sujeitos de direitos as crianças e os adolescentes, defere prioridade absoluta quanto a necessidade de aplicação da “Doutrina da Proteção Integral”.

A ideia da integralidade se resume no fato de que a proteção é devida à todas as crianças e adolescentes, sem distinção de qualquer tipo, onde estes são considerados de modo integral, sem restringir-se tão somente sob o ângulo que se mostra “problemático” para a sociedade. Logo, crianças e adolescentes são vistos como pessoas em processo de formação a quem a sociedade deve proteção e garantias para o seu pleno desenvolvimento.

A citada “prioridade absoluta” faz referência à proteção dos direitos infanto-juvenis, os quais tem completa preeminência sobre quaisquer outros, ou seja, eles prevalecem perante a família, a sociedade e, principalmente, o Estado.

O Estado, representado pelo poder público, tem responsabilidades inumeráveis, posto que é de sua competência a sua formulação das políticas públicas ou ações administrativa direcionadas às crianças e aos adolescentes.

Para a teoria da Proteção Integral, o público infanto-juvenil goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, portanto, devem ser considerados como cidadãos, que, apesar de se encontrarem em condições peculiares de desenvolvimento, não podem ser, em razão disto, tratados como cidadãos de “segunda categoria”. Isto quer dizer que os direitos da criança e do adolescente, previstos em lei, constituem deveres para o poder público, para a sociedade e para a família.

Diante deste contexto, pode-se considerar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil como uma forma real e concreta a proteção integral, adaptando-a as regras do cotidiano social.

O trabalho sócio-educativo desenvolvido através do PETI com famílias em situação de risco, em decorrência de fatores como as desigualdades econômico-sociais e a extrema concentração de riquezas em que se encontra a ordem social contemporânea, constitui-se de ações que oferecem oportunidades de desenvolvimento pessoal e comunitário, visando a socialização, ampliação do campo de conhecimentos, dos vínculos familiares e da convivência em comunidade.

Com isso, intenta-se a inserção social da imensa parcela da população excluída, contribuindo para a redução das diferenças socioeconômicas, um passo deveras importante para a construção de uma sociedade democrática, onde as crianças e adolescentes serão tratados de acordo com as suas especificidades, favorecendo ao seu progresso individualizado, do qual decorrerá o avanço e a harmonia da ordem social da nação.

A necessidade da mobilização social para a operacionalização do PETI compromete-se com o desenvolvimento integral da criança e do adolescente por meio de remoção dos fatores indutores do engajamento no trabalho infantil e precoce, sendo de intensa relevância para o êxito do Programa, bem como para a aplicabilidade do ECA.

Tanto o PETI como a Doutrina da Proteção Integral buscam a preservação dos vínculos familiares necessários à constituição dos valores que serão manifestado pela pessoa por toda sua vida, valorizando a construção de um ambiente equilibrado que possa facilitar o completo e perfeito desenvolvimento das crianças e adolescentes, consequentemente, o alcance da Justiça Social necessária à formação e manutenção de uma harmoniosa e pacífica ordem social. Fazendo uma pequena observação sobre o assunto.

  • Benefícios não financeiros oferecidos. Além dos benefícios financeiros, o programa oferece ainda os seguintes benefícios:

 

¨    Apoia e orienta as famílias beneficiadas por meio de atividades de capacitação e geração de renda;

¨    Fomenta e incentiva a ampliação do universo de conhecimento da criança e do adolescente, por intermédio de atividades culturais, desportivas e de lazer, no período complementar ao do ensino regular (Jornada Ampliada);

¨    Estimula a mudança de hábitos e atitudes, buscando a melhoria da qualidade de vida das famílias, numa estreita relação com a escola e a comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito é a ciência que visa a proteger a manutenção da ordem social, posto que tem por base o conjunto de normas que orientam um povo. Assim, ao reconhecer-se crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, compreende-se a ideia central do Direito da Criança e do Adolescente, qual seja garantir a população infanto-juvenil os direitos a ela inerentes de acordo com as suas necessidades e peculiaridades.

O Estatuto da criança e do adolescente, instrumento que regulamenta esses direitos, é o fruto das diversas lutas e negociações travadas no Brasil pelos diversos setores sociais, comprometidos com a causa da infância e juventude, e, tem o objetivo de assegurar a toda criança e adolescente o direito básico de viver, ou seja, desenvolver-se saudavelmente, educar-se e receber proteção.

Nesse sentido, o ECA significa uma mudança de patrão na área da infância e juventude, na medida em que incorpora a já citada nova concepção de criança e adolescente – como sujeitos de direitos – na perspectiva da Proteção Integral, em contraposição ao entendimento anterior , em que eram definidos por suas carências. Desta forma, nessa fase da vida, os mesmos necessitam de atendimento e cuidados especiais para se desenvolver plenamente; e, essas necessidades constituem direitos do conjunto desse segmento social, sem discriminação de qualquer tipo.

Isto significa que as garantias dos direitos da criança e do adolescente não se esgota na formalização destes pelo Poder Público, que os ofereceria a sociedade na forma de privilégio ou benesse; nem tampouco significava que, uma vez proclamados, sua garantia seja de responsabilidade exclusiva do Estado. Diferentemente, o ECA estimulou um novo tipo de relações entre Estado e Sociedade, no qual o primeiro não se apresenta de forma soberana ou absoluta, mas pelo contrário, estabelece uma identidade socializada, gerando articulação entre a sociedade e os paradigmas advindos do Estado e este é permeado por interesses que vem da sociedade.

O trabalho é um elemento essencial ao desenvolvimento do homem, dignificando-o, aperfeiçoando os seus conhecimentos, permitindo a sua realização profissional gerando a manutenção de sua família através de esforço próprio. Contudo, o trabalho infantil, na fase de formação em que se encontram as crianças e os adolescentes, pode lhes acarretar sérios prejuízos, posto que, com suas próprias características de imaturidade tanto física como mental, as torna mais susceptíveis aos agentes prejudiciais e as pressões do ambiente de trabalho. Na formação psíquica, o trabalho precoce pode ocasionar depressão, submissão alternada ou extrema violência. Na formação fisiológica, doença nos vários sistemas do organismo, além de doenças ocupacionais e das sequelas deixadas pelos acidentes de trabalho. Na formação cultural, pode ocasionar a diminuição da frequência escolar e até o abandono, fazendo com que os indivíduos fiquem despreparados tanto intelectual como profissionalmente. E no aspecto econômico, ocasiona a perpetuação da pobreza.

Como uma das expressões da pobreza, da injusta distribuição de renda, o trabalho infantil sempre se fez presente na sociedade humana, resultado de uma mescla de necessidades, oportunismos e incompreensão, na qual as famílias, oprimidas pela miséria, muitas vezes não encontram alternativas a não ser buscar a complementação de renda por meio do trabalho dos filhos. Destarte, o combate a essa forma de exploração não pode ser dissociado de outras políticas que tenham por objetivo promover a diminuição da pobreza.

Essa realidade remete a indagações, tais como: Que perspectiva de desenvolvimento e de participação comunitária terá uma criança que desde pequena é submetida a precárias condições de trabalho? Como indenizá-la pela infância não vivida, pelas oportunidades perdidas? Não se sabe.

Estes fatores dão a dimensão da complexidade que envolve o tema, bem como dos desafios a serem enfrentados nos níveis político-econômicos e socioculturais, para que o país avance na erradicação do trabalho infantil. É indubitável que, frente ao quadro atual de aprofundamento da pobreza no Brasil, a melhor maneira de enfrentar o trabalho infantil é com uma justa distribuição de renda para todas as famílias em situação de miserabilidade, não envolvendo tão somente aquelas envolvidas com o trabalho infantil.

O mercado do trabalho precoce, onde cada vez mais contrapõem-se riqueza e pobreza, é frequentemente abastecido com mão de obra barata e fácil de se encontrar, conforme buscam inescrupulosos empresários, fato que faz com que todo um segmento da população, tolhido de condições adequadas de formação, educação e acesso a bens e serviços, constitua um contingente de despossuídos.

Portanto, a incorporação de crianças e adolescentes no mercado formal e informal de trabalho, expressa, por um lado, deficiência das políticas públicas para saúde, habitação, cultura, esporte e lazer, além da ineficácia da fiscalização do trabalho para cumprimento da Lei. Por outro lado registra os perversos efeitos de um modelo econômico que não contempla as necessidades do desenvolvimento social.

Com o intuito de eliminaras piores formas de trabalho de crianças e adolescentes no país, foi implementado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI –, que foi uma das primeiras ações concretas resultantes de denúncias e reivindicações relacionadas ao trabalho no Brasil.

Apesar do PETI apresentar concretamente resultados positivos devemos considerar alguns problemas em sua operacionalização. O Programa tem um caráter emergencial, uma vez que não é acompanhado de políticas mais efetivas voltadas para superar a injusta distribuição de renda no país, situação esta responsável pela permanência das condições que impelem as crianças para o trabalho precoce. As idades determinadas para a inclusão e desligamento do programa (7 a 14 anos) atuam como limitador da abrangência da população atendida. Há casos de adolescentes, que, ao serem excluídas do Programa por completarem 15 anos, retornam ao trabalho nas mesmas condições de ilegalidade anteriores, apesar de a legislação proibir o trabalho para os menores de 16 anos.

Frente aos dados alarmantes em que crianças e adolescente de 05 a 16 anos exercem atividades laborativas, contrariando a legislação, principalmente, comprometendo o seu desenvolvimento biológico, social e psicológico, o governo conseguiu atingir com o PETI uma reduzida parcela desses pequenos trabalhadores.

Refletir sobre soluções que de alguma maneira enfrentem a realidade do trabalho infantil implica em discutir a urgência de uma política econômica que redistribua a renda de forma mais justa, promovendo as reformas estruturais necessárias e implantando programas específicos para as famílias em situação de pobreza extrema, para erradicar definitivamente a prática do trabalho infantil no país. Com proteção jurídica especial reservada à criança e ao adolescente como instrumento garantidor de sua dignidade. E por fim, pautando-se na inspiração kantiana é que se alcançou a conscientização contemporânea de que todo o homem possui uma dignidade, não mais sendo uma res com preço. Mesmo com tal evolução de pensamento, é preciso deixar evidente as diferenças de determinados sujeitos, para que melhor se assegurem os seus direitos, não restando dúvidas de que o caminho mais eficiente para se atingir tal mister é o da especificação dos sujeitos de direitos, não os generalizando, mas sim, percebendo suas peculiaridades.

BIBLIOGRAFIA

ARIÉS, Philippe. Histórico Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

BRASIL. Código Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL. Código Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 9. ed., 2003.

BRASIL. Código Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

BRASIL. Código de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Rideel, 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2000.

BRASIL. Defensorias Públicas e Infância – Findo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente. Brasília: Senado Federal, 2004.

BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004.

BRASIL. Portaria nº 2.917, de 12/09/2000 – Estabelece as Diretrizes e Normas do PETI. Secretaria Estadual de Assistência Social. In: www.seas.gov.htm. Acesso em 15/03/2012.

CAMPINA GRANDE. Plano Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Campina Grande: Secretaria Municipal de Assistência Social, 1999.

CONSTANTINO. Luciana. 2,2 Milhões de Jovens do País Trabalham Sob Risco, diz a OIT. Brasília: Folha de São Paulo. In: www.folhadesaopaulo.com.br. Acesso em 15/03/2012.

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Diniz, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, A-C.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. ver. São Paulo: Nova Fronteira, 1994.

FONSECA, Humberto Theodoro da. Curso de Processo Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

GUNTHER, Isolda de Araújo. Adolescência e Projeto de Vida. In: www.jusnavigandi.com.br/crianca.htm. Acesso em 15/03/2012.

LIMA, Juarez Duarte. O Trabalho do Menor – Aspectos Legais e Sociais.In:www.jusnavigandi.com.br/crianca.htm.Acesso em 15/03/2012.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 138 da OIT. Brasília: OIT; Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, 2001.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 182 da OIT. Brasília: OIT; Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, 2001.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Guia Para Educadores. Brasília: IPEC, 2001.

ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração dos Direitos da Criança. Nova Iorque: 1989. In: www.unicef.org/brazil/decl_dir.htm. Acesso em 15/03/2012.

PARAÍBA. Caderno de Capacitação do PETI. Campina Grande: Secretaria Estadual de Assistência Social, 2001.

RUSS, Jacqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994.

TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Forense, 2002.


[1] É o processo de integração entre as economias e sociedades dos vários países, especialmente no que se refere à produção de mercadorias e serviços, aos mercados financeiros e a difusão de informações. (AURÉLIO, 2001. p. 348)

[2] Para a OIT, criança é toda e qualquer pessoa menor de 18 anos de idade.

[3] A deontologia é o estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral (AURÉLIO. 2003).

[4] A Doutrina da Situação Irregular consistia na exclusão social em que se encontravam muitos “menores”, de forma anormal ou desviante. A qual remetia ao Poder Público a responsabilidade de tomar providência no sentido de resolver “o problema”. Nessa perspectiva, juízes e médicos, tinham o poder quase absoluto sobre a vida das crianças, as quais eram punidas com internações em unidades da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM –, onde eram punidas e frequentemente maltratadas.

[5] O IPEC é o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, que busca eliminar progressivamente o trabalho infantil em pelo ao menos vinte países que ainda permitam/toleram a exploração da mão de obra de crianças e adolescentes pobres.

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *