A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSCENDENTALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

como manancial, esta monografia tem por fim esclarecer o papel que os direitos fundamentais exercem ante a globalização, bem como suscitar novos horizontes para que eles não venham a ser soterrados por consequências funestas deste processo de constantes e velozes mudanças, na vanguarda do desenvolvimento econômico e social e da necessidade de garantir sua perene eficácia, na busca do que é melhor para o bem comum.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Globalização,      Transcendentalidade.

ABSTRACT

This work has as its theme: “Globalization and transcendentalism of Fundamental Rights”. Because society is dynamic and the right is a social reality, while the law is a reflection of society. Because the speed of the changes occurring in our time, coupled with the constant disrespect of fundamental rights around the world, obliges students of legal science to a deep and thorough analysis of the structure and amplitude of the fundamental rights, given the urgent need to guarantee these rights before globalizing process. It is therefore necessary to clarify what are fundamental rights, such as emerged and took its consolidation as well as clarify what globalization is and what their atrocious consequences in our society. The insights dogmatic Fundamental Rights is of paramount importance for its role transcendental is evidenced, making clear the necessary execution of its universal function. In light of the doctrine, and the literature as the source, this monograph aims to clarify the role that fundamental rights play against globalization, as well as raise new horizons so they will not be overwhelmed by dire consequences of this process of constant and rapid changes in the forefront of economic and social development and the need to ensure its enduring effectiveness in the pursuit of what is best for the common good.

Keywords: Fundamental Rights, Globalization, transcendentalism.

Sumário

                                                                   

                                                            

 

RESUMO………………………………………………………………………………….02

 

ALEGAÇÕES PRELIMINARES……………………………………………………..05

 

Capítulo I – GLOBALIZAÇÃO…………………………………………………….09

1.1. Breve Histórico da Globalização…………………………………………………..10

1.2. Conceituação…………………………………………………………………………12

1.3. Consequências……………………………………………………………………….16

Capítulo II – ANÁLISE HISTÓRICO-POLÍTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS………………………………………………………………………20

 

2.1. Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais…………………………………24

Capítulo III – DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA…………………………………………………………………………….31

 

3.1. Compreensão jurídico-dogmática dos Direitos Fundamentais……………….31

3.2. Características, Classificações e Tipologia dos Direitos Fundamentais……………………………………………………………………………..35

3.3. Eficácia e Amplitude dos Direitos Fundamentais………………………….42 

Capítulo IV – GLOBALIZAÇÃO VS. DIREITOS FUNDAMENTAIS………………………………………………………………………45

 

ALEGAÇÕES FINAIS…………………………………………………………………51

 

BIBLIOGRAFIA………………………………………………………………………..53

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSCENDENTALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Terezinha Pereira de Vasconcelos

terezinhavasconcelosadv@hotmail.com

 

ALEGAÇÕES PRELIMINARES

 

Esse trabalho tem como tema: “A Globalização e a Transcendentalidade dos Direitos Fundamentais”. Onde os direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos. Esses direitos advêm da própria natureza humana, daí seu caráter inviolável, intemporal e universal (dimensão jusnaturalista-universalista).

Ubi societas, ibi jus. O Direito, como ciência, está inserido nas chamadas ciências sociais e, como tal, tem a sociedade como sujeito principal, apesar de muitos juristas acharem que a sociedade é objeto do Direito, o que ao nosso entendimento é uma concepção simplista e deveras ultrapassada. Por definição o Direito deve ser entendido como uma expressão da vontade social. Desta maneira, considerando a sociedade como principal modificador do Direito, não podendo deixar de dar o necessário valor às constantes modificações ocorridas em seu seio.

A sociedade é por demais dinâmica, e esse processo dinâmico deve ser necessariamente acompanhada pelo Direito, haja vista o Direito dever estar profundamente inserido na realidade social. O jurídico nada mais é que um reflexo social. Neste sentido, vale lembrar que os fatos sociais produzem, operam e renovam o Direito. De maneira que não podemos olvidar a necessidade da constante atualização desta ciência no intuito de se evitar o possível descompasso entre a realidade social e um Direito ultrapassado e irracional.

Ultimamente, temos vivido o que muitos acham ser mais um aspecto da pós-modernidade, um fenômeno que se convencionou chamar de globalização. É bem verdade que a sociedade global está passando por transformações sociais velozes e profundas, e, pelo que se mostram irreversíveis. À primeira vista, assustadoras têm sido estas mudanças ocorridas no cenário global. Como dito, a globalização da economia e das comunicações tem produzido mudanças profundas na vida dos países com reflexo em todas as áreas, da tecnologia aos costumes e à cultura. Inevitavelmente, e não deveria de ser diferente, dentre as áreas destaca-se o Direito.

No tocante ao Direito, estas mudanças de comportamento acarretam como consequência, rápidas alterações em teorias, conceitos, modelos e soluções por muito tempo considerados satisfatórios na resolução das crises sociais. Estas transformações, ocasionadas por estes fenômenos de transnacionalização, tornaram os Estados soberanos de hoje incapazes de utilizar o instrumental teórico tradicional na solução de seus problemas, haja vista que, juntamente com o fenômeno da globalização econômica, ocorreu também o fenômeno da globalização internacional dos problemas.

Neste tom, hodiernamente tem sido uma grande preocupação das nações mais desenvolvidas a ameaça aos direitos fundamentais trazida pela globalização, notadamente no campo social. É de opinião unívoca na doutrina o reconhecimento de três gerações ou dimensões de direitos que se desenvolveram a partir da Revolução Francesa: direitos de liberdade, direitos sociais e direitos coletivos. Alguns estudiosos, inclusive, já reconhecem, também, a quarta geração de direitos, a dos direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.

De se indagar, outrossim, como assegurar esses direitos num mundo em que a soberania das nações se acha ameaçada e enfraquecida frente a este processo de mão única? Em que sentido pode-se dar uma maior garantia aos direitos fundamentais, categoria de magnânima imponência no centro de nosso sistema jurídico-constitucional?

A resposta a estas indagações se afigura bastante singular: a transcendentalidade, universalização dos direitos fundamentais diante do que se convencionou chamar aldeia global. Tenha-se presente que se observa, na atualidade, o florescimento do “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, a que os anglo-saxões denominam International Human Rights Law. Esse novo ramo do Direito caracteriza-se pelo interesse público internacional de que se reveste e que legitima como o Direito do Terceiro Milênio.  Desta feita considera-se tal como a vertente humanista da globalização.

A presente monografia, distante alhures de procurar solucionar essa temática tão rica e merecedora de acurados estudos, traz à baila essas considerações para demonstrar a velocidade e o impacto dos múltiplos acontecimentos nestes últimos anos, numa demonstração daquilo que nos aguarda e, provavelmente, surpreender-nos-á nos anos vindouros, quer em sede de ciências da natureza ou em sede ciências sociais, sobretudo no campo do direito e da política, objetos específicos de nossas considerações.

Aqui, teceremos considerações em torno de questões que também estão a desafiar o cientista do Direito, naquilo que concerne aos direitos humanos diante de novas realidades jurídico-políticas, quais sejam a globalização ou internacionalização e a posição dos direitos fundamentais.

Não há de olvidar que íntima é a relação dos direitos humanos com o direito constitucional, aliás, atualmente, em quase todas as modernas constituições, os direitos humanos estão albergados sob a denominação de direitos fundamentais. Por conseguinte o foro privilegiado de discussão dos direitos humanos é o direito constitucional, posto que fazem parte do conteúdo básico e elementar das modernas constituições.

Não podemos deixar de registrar, tendo em vista a qualidade dos estudos já efetuados sobre o mesmo tema, por luminares do Direito pátrio, que nossa abordagem não é, senão, uma síntese de várias dessas obras, tentando apresentar o estado da arte do conhecimento jurídico a respeito do assunto.

Assim mesmo, a execução deste trabalho nos obriga a análise de cada uma dessas obras, cumprindo, assim, papel essencial na formação de um pensamento conciso e coerente; contribuindo para a correta fixação de um entendimento já traçado pela Doutrina dominante.

Em linhas gerais, buscaremos mostrar como o assunto é tratado em nossos compêndios de Direito Constitucional, para que possamos, então, conceber luz própria ao nosso entendimento sobre o mesmo.

Para nós futuros operadores do Direito, resta a oportunidade de nos deleitarmos em suas nuances, explorarmos cada fenda de dúvida, afim de que possamos construir um conhecimento firme e sem obscuridades.

Fazendo um pequeno epílogo do assunto sabemos que, a palavra direito possui mais de um significado correlato:

  • Sistema de normas de conduta imposto por um conjunto de instituições para regular as relações sociais: o que os juristas chamam de direito objetivo, a que os leigos se referem quando dizem “o direito proíbe a poligamia”. Neste sentido, equivale ao conceito de “ordem jurídica”. Este significado da palavra pode ter outras ramificações:

 

  • Como o sistema ou conjunto de normas jurídicas de um determinado país ou jurisdição (“o direito português”); ou
  • Como conjunto de normas jurídicas de um determinado ramo do direito (“o direito penal”, “o direito de família”).

 

  • Faculdade concedida a uma pessoa para mover a ordem jurídica a favor de seus interesses: o que os juristas chamam de direitos subjetivos, a que os leigos se referem quando dizem “eu tenho o direito de falar o que eu quiser” ou “ele tinha direito àquelas terras”.

 

  • Ramo das ciências sociais que estuda o sistema de normas que regulam as relações sociais: o que os juristas chamam de ciência do direito, a que os leigos se referem quando dizem “eu preciso estudar direito comercial para conseguir um bom emprego”.

Apesar da existência milenar do direito das sociedades humanas e de sua estreita relação com a civilização, costuma-se dizer que (“onde está a sociedade, ali está o direito”), há um grande debate entre os filósofos do direito acerca do seu conceito e de sua natureza. Mas, qualquer que sejam estes últimos, o direito é essencial à vida em sociedade, ao definir direitos e obrigações entre as pessoas e ao resolver os conflitos de interesse. Seus efeitos sobre o cotidiano das pessoas vão desde uma simples corrida de taxi até a compra de um imóvel, desde uma eleição presidencial até a punição de um crime, dentre os exemplos.

O direito é tradicionalmente dividido em ramos, como o direito civil, direito penal, direito comercial, direito constitucional, direito administrativo e outros, cada um destes responsável por regular as relações interpessoais nos diversos aspectos da vida em sociedade.

No mundo, cada Estado adota um direito próprio ao seu país, donde se fala em “direito brasileiro”, “direito português”, “direito chinês” e outros. Aqueles “direitos nacionais” costumam ser reunidos pelos juristas em grandes grupos: os principais são o grupo dos direitos de origem romano-germânica (com base no antigo direito romano; o direito português e o direito brasileiro fazem parte deste grupo) e o grupo dos direitos de origem anglo-saxã (Common Law, como o inglês e o estadunidense), embora também haja grupos de direitos com base religiosa, dentre outras. Há também direitos supranacionais, como o direito da União Europeia. Por sua vez, o direito internacional regula as relações entre Estados no plano internacional.

GLOBALIZAÇÃO

O atual processo de globalização, entendido como uma nova fase de reconfiguração sistêmica do capitalismo, tem provocado mudanças profundas nos mais distintos âmbitos da realidade; nada mais pode ser considerado como “fora do sistema”. Nas últimas décadas, o fenômeno da globalização acelerou-se vertiginosamente, implicando, através de seus fluxos, uma nova configuração espacial da economia mundial e consequentemente, das cidades. Até mesmo as sociedades mais remotas em relação aos grandes centros do capitalismo, direta ou indiretamente, sentem seus impactos.

Nessa realidade dinâmica, os fluxos migratórios também foram modificados e assumiram configurações originais. O fato de os movimentos migratórios transnacionais, devido a sua complexidade e heterogeneidade, serem responsáveis por várias influências nas sociedades envolvidas – tanto de origem quanto de recepção – tem como consequência quase que imediata o surgimento, na mesma proporção dessas influências, de distintas percepções sobre esses fluxos, uma vez que são muitos os grupos sociais afetados por essa nova realidade.

Ultimamente, todos temos vivido com uma palavra em nossas mentes: globalização. Para onde quer que olhemos, para onde quer que nos viremos lá está ela, sempre nos enchendo de dúvidas e de questionamentos a respeito de sua existência. Sem anfibologia, atualmente, o que quer que você pergunte, ela é a resposta. O fato é que entender o que é globalização, no cenário mundial coevo, é colocar-se a par das tendências que conduzirão o futuro da humanidade.

Pensando nisso, gostaríamos de deixar claro, de uma vez por todas, o que significa, de onde vem, a quem interessa, para onde caminha e qual a importância de seu estudo.

1.1               Breve Histórico da Globalização

Muitos são aqueles que pensam globalização ser um aspecto único e exclusivo da pós-modernidade, sendo deste tempo, criação. É bem verdade que a partir da década de 80, o processo de globalização tornou-se mais delineado, explícito. No entanto não é um fenômeno inédito e utópico, como veremos a seguir, trata-se de algo que vem sendo forjado gradativamente ao longo das gerações das comunidades internacionais.

Desde há muito, a história nos mostra que o homem busca integrar-se parta obter maior desenvolvimento econômico, social, cultural e é deveras adequado citarmos estas situações no intuito de esclarecemos o que, para muitos, parece abstruso.

A grande maioria da doutrina moderna enxerga na expansão do Império Romano, há mais de dois mil anos, um certo embrião globalizante. Certo é que, desde os Fenícios, por volta de 1000 a.C., já se pode observar um certo toque global em suas ações, tendo em vista que buscavam explorar mercados além-mar, comercializando até o sul da Espanha, por exemplo, ficando conhecidos como grandes comerciantes e navegadores.

Posteriormente, a conquista da Grécia, por Felipe II, e a conquista do Império Persa, por Alexandre, o Grande, tiveram como principal consequência a expansão da cultura grega para o Oriente. A fusão da cultura clássica grega com a cultura oriental do Império Persa levou ao surgimento de uma cultura Greco-oriental, que ficou conhecida como helenismo ou cultura helenística[1]. Sem precedentes, uma extraordinária expansão ou globalização cultural.

Já a expansão do Império Romano é ponto pacífico entre os doutrinadores, quando da visualização do processo de globalização. BRUM (2000, p.72) assente que:

O domínio de Roma sobre a maior parte da Europa e sobre a costa africana e do Oriente Próximo, banhadas pelo Mar Mediterrâneo, a que se circunscrevia o mundo conhecido pelos europeus naquela época, e o intercâmbio estabelecido com e entre as diferentes áreas, impuseram aos povos dominados a Pax Romana.

 

Em seguida, a partir dos séculos XV e XVI, na época da expansão marítima e das colonizações dos países Europeus, o processo expansionista também se fez presente, com a Espanha, com a Inglaterra e com Portugal, que tinham objetivos nitidamente comerciais e econômicos, além das cruzadas, que tinham motivos religiosos, mas que também contribuíram para a expansão do comércio. Processou-se a europeização do mundo, que viveu, durante cerca de quatro séculos, sob o domínio de uma espécie de Pax Europeia.

Segundo o magistério do insigne mestre BRUM (2000, p.72) a integração econômica fez-se acompanhar da “universalização de ideias, crenças, valores, modos de vida, convicções. E a tendência à globalização avançou, com distintos conteúdos e facetas”.

Já no século das luzes, o XVIII, a Revolução Francesa e a hegemonia das ideias liberais impõem ao mundo a ideia de igualdade jurídica de todos os homens. Um pouco, além disso, emerge o socialismo que busca (sem êxito), entre outras coisas, a união dos trabalhadores em nível mundial. Segundo Lopez apud BRUM (2000, p. 72), Marx ensinava que, para enfrentar a hegemonia da burguesia opressora, era fundamental a união dos oprimidos.

Foi, no entanto, com o final da II Guerra Mundial que o processo de globalização teve grande impulso, com a bipolarização do poder mundial e a expansão das grandes corporações econômicas transnacionais através da instalação de subsidiárias, em diferentes países, e da intensificação do intercâmbio comercial. Concluímos que, apesar das contradições há um certo consenso a respeito das características da globalização que envolve o aumento dos riscos globais de transações financeiras, perda de parte da soberania dos Estados com ênfase das organizações supra-governamentais, aumento do volume e velocidade com os recursos vêm sendo transacionados pelo mundo, através do desenvolvimento tecnológico etc.

Além das discussões que envolvem a definição do conceito, há controvérsias em relação aos resultados da globalização. Tanto podemos encontrar pessoas que se posicionam a favor como contra (movimentos antiglobalização).

A globalização é um fenômeno moderno que surgiu com a evolução dos novos meios de comunicação cada vez mais rápidos e mais eficazes. Há, no entanto, aspectos tanto positivos quanto negativos na globalização. No que concerne aos aspectos negativos há a referir a facilidade com que tudo circula não havendo grande controle como se pode facilmente depreender pelos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos da América. Esta globalização serve para os mais fracos se equipararem aos mais fortes, pois tudo se consegue adquirir através desta grande autoestrada informacional do mundo que é a internet. Outro dos aspectos negativos é a grande instabilidade econômica que se cria no mundo, pois qualquer fenômeno que acontece num determinado país atinge rapidamente outros países criando-se contágios que tal como as epidemias se alastram a todos os pontos do globo como se de um único ponto se tratasse. Os países cada vez estão mais dependentes uns dos outros e já não há possibilidade de se isolarem ou remetem-se no seu ninho, pois ninguém é imune a estes contágios positivos ou negativos. Como aspectos positivos, temos sem sombra de dúvida, a facilidade com que as inovações se propagam entre países e continentes, o acesso fácil e rápido à informação e aos bens. Com a ressalva de que para as classes menos favorecidas economicamente, especialmente nos países em desenvolvimento, esse acesso não é “fácil” (porque seu custo é elevado) e não será rápido.

1.2              Conceituação

Depois de delineado um sucinto histórico, fica claro e demonstrado que o processo de globalização não é nada inédito e, para IANNI (2001, p. 14) ela nada mais é que:

… desterritorialização de coisas, gentes, ideias, e/ou novo ciclo civilizado marcado por: contradições, atravessado por movimentos de integração e fragmentação, marcado por desigualdades e antagonismos entre os espaços geo-históricos, locais, regionais, transnacionais e globais.

 

Desta maneira, podemos arriscar dizer que globalização é um conjunto de transformações políticas, econômicas e culturais que pretende a integração do mundo e do pensamento em um só mercado. A ideia da globalização é consequência da velocidade com que, cada vez mais, as informações são processadas.

Hodiernamente o chamado “processo de globalização” delineia-se, a partir da década de 80, através fenômenos com reflexos mundiais, como:

                                       a.    Boom Tecnológico;    

                                       b.    A queda do muro de Berlim;

                                       c.    Abertura de mercados;

                                       d.    Implantação e consolidação da democracia em países até há pouco dominados pelo poderio militar;

                                       e.    Redução do papel do Estado;

                                        f.    Fomento às concentrações empresariais e bancárias;

                                       g.    Informática, Internet;

                                       h.    Crescimento do comércio e da produção;

                                         i.    Aumento do poder das empresas transnacionais;

                                        j.    Surgimento de blocos econômicos.

Por todos esses fenômenos, acima citados, pode-se esquadrinhar duas facetas deste processo, quais sejam: a Globalização Financeira e a Globalização Econômica, que passaremos a expor, ato contínuo.

Segundo nos explica BRUM (2000, p. 75) o aspecto mais saliente da globalização é o que ocorre no setor financeiro. Para ele, três mudanças principais impulsionam a globalização financeira:

  1. Revolução nas telecomunicações, possibilitando a criação do mercado de 24 horas;

 

  1. Surgimento de novos atores, como os fundos mútuos de investimentos e os fundos de pensão;

 

  1. Criação de novos instrumentos com a securitização e os derivativos.

 

Além disto, desenvolveram-se as operações financeiras diretas, quer através da colocação de títulos públicos, emitidos pelos governos dos países para financiar seus déficits, quer através da atuação de operadores financeiros independentes, que lançam fundos de pensão e outros ativos, concorrendo com os bancos. O fato é que esta nova ordem econômica mundial modificou o papel do Estado na medida em que alterou radicalmente a ênfase da ação governamental, que agora é dirigida quase exclusivamente para tornar possível às economias nacionais desenvolverem e sustentarem condições estruturais de competitividade em escala global.

Tendo isto, em vista, é fácil perceber que seus efeitos são, de certa maneira, controversos. Se por um lado, a mobilidade dos fluxos financeiros, através das fronteiras nacionais, pode ser vista como uma forma eficiente de destinar recursos internacionais e de canalizá-los para países emergentes; por outro, a possibilidade de usar os capitais de curto prazo para ataques especulativos contra moedas são considerados como uma nova forma de ameaça à estabilidade econômica dos países. É por isso que governantes e economistas concordam que é preciso criar um mecanismo internacional de controle sobre o fluxo de capitais, coibindo ou desestimulando seus movimentos especulativos, que podem desestabilizar a economia de países mais vulneráveis. A cautela recomenda que o país não dependa muito desse capital, nem dependa dele nos aspectos básicos.

A outra faceta do processo de globalização é a globalização econômica. Notadamente é a internacionalização do processo produtivo. Também chamada de globalização produtiva, é um fenômeno mundial associado a uma revolução nos métodos de produção que resultou numa mudança significativa nas vantagens comparativas das nações. Assim, as fases de produção de uma determinada mercadoria podem ser realizadas em qualquer país e não mais em um mesmo país, pois busca-se aquele que oferecer maiores vantagens econômicas. Isto tem levado a uma acirrada competição entre países – em particular aqueles que em desenvolvimento – por investimentos externos.

Em contraste com as décadas passadas, quando se julgava necessário introduzir controles e restrições para disciplinar, em seus mercados, as atividades das multinacionais, agora, os países, em desenvolvimento, têm reformulado suas políticas comerciais e econômicas para oferecer um ambiente doméstico atraente para os investimentos externos, os quais se fazem necessários para complementar as suas taxas internas de poupança, geralmente insuficientes. O ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso apud BRUM (2000, p. 81) salienta que:

A possibilidade de participar com eficiência da economia globalizada tem estreita relação com a capacidade dos países de investir em ciência e tecnologia e de dispor de recursos humanos qualificados, além de criar instituições em que haja liberdade e respeito aos direitos humanos.

 

Na atualidade, a economia globalizada permite que haja um movimento em direção à globalização cultural. Hoje, através da internet, um estudante ou pesquisador acessa, sem sair de casa, qualquer biblioteca ou universidade do planeta. Os contatos humanos e as pesquisas exigem que os habitantes de um país tenham, ao menos, conhecimento básico do idioma de outros países. Acontecimentos no outro lado do mundo podem ser acompanhados on-line e em tempo real. Apesar de a globalização uniformizar o pensamento, ela também o diferencia por sublinhar as características regionais e não deixar dúvidas, nos consumidores, de aqueles que não detêm tecnologia estão excluídos do grande sistema que pretende gerar um pensamento universal.

Importa salientar que a globalização vem sendo vista como a nova cara do capitalismo, e seu modo de funcionamento sistêmico se caracteriza pela circulação cada vez mais intensa e veloz de mercadorias, capitais e informações, como, inclusive, já visto. A pergunta que cabe merecimento é: a quem ela interessa?

Procurando tratar o assunto com objetividade, a resposta a essa questão é a seguinte: as nações desenvolvidas. Estados Unidos, Japão, Alemanha, por exemplo, destacam-se, saindo na frente dos chamados países periféricos ou em desenvolvimento, pois a hegemonia econômica e cultural que exerceram ao longo da história possibilitou seu fortalecimento e incursão nos demais países do globo, sendo sua posição privilegiada no cenário mundial globalizado. É verdade, também, que interessa às transnacionais (bancos e empresas), aos mega aplicadores e mega especuladores, às empresas e Estados detentores de tecnologia. O poder se concentra efetivamente nas mãos dos possuidores do capital.

1.3             Consequências

Como consequência do processo de globalização, é possível verificar a existência das seguintes situações:

  1. Novos paradigmas de competitividade, baseados no avanço da tecnologia e capacitação técnica dos trabalhadores;

 

  1. Novos produtos, aumentando o consumo, abrindo-se os mercados;

 

  1. Surgimento de novos polos de poder econômico – Fica de lado o Mundo Bipolar e surge o Novo Mundo Unipolar com preponderância dos Estados Unidos;

 

  1. Subserviência dos Estados às diretrizes das megaempresas que fazem às vezes dos Estados Multinacionais;

 

  1. Desestatização da economia – Privatizações – Flexibilização das relações de trabalho – Redução das políticas sociais – Aumento do desemprego do subemprego – Aumento da violência;

 

  1. Novo paradigma do Estado Mínimo que não coloca empecilho ao funcionamento do mercado, mas exercita em Estado Máximo, hipertrofiado, autoritarismo de decisões unilaterais e repressão à oposição;

 

  1. Aumento da pobreza nos países subdesenvolvidos;

 

  1. Exploração de ideologias neofascistas e xenófobas;

 

  1. Aumento do descrédito nos políticos, bem como nos partidos políticos[2].

 

Portanto já é possível, no inicio do século XXI, perceber que o mundo já enfrenta uma transformação acelerada em todos os âmbitos. As mudanças afetam todo o planeta e apontam para um futuro cada vez mais próspero e interligado, mas também ameaçado por desafios importantes e problemas graves.

Os aspectos mais relevantes são o estreitamento das relações entre os povos, os progressos tecnológicos e científicos e a revolução nos meios de comunicação. Aliado a eles, encontramos um mundo com profundas desigualdades, com conflitos endêmicos e com um crescimento industrial que pode comprometer o meio ambiente caso não seja enfatizada a aplicação das teorias do desenvolvimento sustentável.

Nos últimos anos do século XX, ocorreu uma série de fenômenos de caráter “global”, inconcebíveis há algumas décadas. Um conjunto de comportamentos, gosto e valores são compartilhados, na atualidade, por milhões de pessoas que pertencem a culturas muito diversas. Os meios de comunicação reduziram as distâncias físicas e fizeram com que tempos diferentes sejam vividos em uníssono diante das telas de televisão ou de um determinado bem de consumo.

Apesar de tudo, ainda é difícil estimar suas consequências para o século XXI. Contudo tem influenciado fortemente três áreas: a economia, a política e a cultura.

Como visto, a globalização abrange, mais precisamente, o mundo da economia, especialmente nos níveis comercial, financeiro e organizacional, onde já funciona de um modo eficaz. A globalização econômica supõe uma absoluta liberdade de intercâmbios. Com ela, a produção de mercadorias encontra-se limitada apenas por vantagens físicas ou geográficas; as empresas estão organizadas de um modo muito flexível para que tenham melhor acesso aos mercados globais.

No âmbito da política, a globalização afeta a estrutura dos governos e das decisões políticas. Em um mundo global, a soberania dos estados parece enfraquecer-se e são criados múltiplos centros de poder.

A cultura é afetada pelo processo de globalização de diferentes formas. A criação de grandes símbolos tem um caráter mundial. Há uma tendência à diversidade cultural e ao triunfo de um cosmopolitismo que rompe fronteiras. A informação não tem uma origem local única e se difunde de um modo muito rápido por todo o mundo. O turismo e o lazer aumentam a níveis jamais concebidos. Os instrumentos de universalização e conexão cultural, como a Internet, se multiplicam e nos obrigam a conceber novas formas de aprendizagem.

A globalização afeta a estrutura das sociedades, dos governos e das formações culturais: encontra-se permeada por questões interessantes e respostas ainda incertas. Sem dúvida, a humanidade irá enfrentar graves problemas. Entre eles, pode-se destacar como sendo um dos mais importantes: a existência de um mundo dual, e a questão dos direitos humanos fundamentais.

Como bem denota o eminente BRUM (2000, p. 81) o uso do termo globalização difundiu-se rapidamente, vulgarizou-se, segundo leciona:

Seu significado passou a conter também um componente ideológico, que pode prestar-se à manipulação. Parece vir em Substituição à Guerra Fria. Em razão da globalização, manifesta-se a tendência de explicar tudo e a todos enquadrar. (…) O que aconteceu é que o fim da Guerra Fria deixou a globalização como único fenômeno internacional capaz de organizar as relações entre as regiões, os Estados e os agentes econômicos.

Neste inicio de século, a bem da verdade, em decorrência da superioridade dos Estados Unidos da América em praticamente todos os campos, a atual fase da globalização apresenta fortes características de Pax Americana.

É importante que se realce que os reflexos negativos da globalização não decorrem de uma conspiração maldosa das elites, resultam, outrossim, das características próprias do sistema. Porém, esse é um desafio do qual não podemos mais fugir, afinal, a globalização já se mostrou inevitável, cabendo aos homens e mulheres de hoje e de amanhã garantirem que esse processo seja equitativo e justo, onde o contato intercultural deixe de ser percebido em termos de perdas, de ameaça às identidades culturais e passe a ser reconhecido como possibilidade de enriquecimento cultural mútuo.

ANÁLISE HISTÓRICO-POLÍTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico-institucionalizadamente garantidos. Seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta, ou seja, são os enunciados constitucionais de cunho declaratório, cujo objetivo consistiria em reconhecer, no plano jurídico, a existência de uma prerrogativa fundamental do cidadão. A livre expressão (art. 5º, inciso IX), a intimidade e a honra (art. 5º, inciso X) e a propriedade e defesa do consumidor são direitos fundamentais, que cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:

a)   Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os poderes públicos, proibindo as ingerências destes na esfera jurídico-individual;

b)   Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer de modo positivo os direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir dos poderes públicos, omissões, para evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

Hodiernamente, o conhecimento da noção do Direito Constitucional importa que este não pode ser visto apenas como ramo da ciência jurídica que tem como objeto de estudo as normas disciplinadoras da organização jurídico-política do Estado. Pensamos, outrossim, e respeitadas as opiniões em sentido contrário, que hoje, mais do que nunca, diante das realidades circundantes, o Direito Constitucional sai da estática onde permaneceu preso por longo tempo, para ingressar na dinâmica do tecido social, quer no âmbito das fronteiras nacionais, quer ultrapassando essas fronteiras. Assim posto, novos horizontes são delineados para esta província do saber jurídico, em cujo quadro demonstram paisagens turvas, sequiosas de aclaramentos.

No entanto, pode-se questionar se cabe ao Direito Constitucional o estudo de problemas dessa ordem, ou seja, de questões que estão num plano superior às fronteiras nacionais. A visão de um direito constitucional adstrito somente aos problemas das normas constitucionais de um determinado Estado é deveras ultrapassada, como dito anteriormente. A interdisciplinaridade do conhecimento jurídico não permite que qualquer dos ramos do saber se atenha, única e tão somente, à determinadas especificidades. Mais do que qualquer outra área jurídica, o direito constitucional, deve ampliar os seus domínios, uma vez que os fatores extrajurídicos que influenciam e que são influenciados pelo direito estão aumentando cada vez mais, sobretudo quando se trata de questões envolvendo os interesses do homem e da comunidade, seja na ordem interna ou internacional.

No mesmo diapasão preleciona, com brilhantismo, o notável HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (2000, p. 07) em seu Curso de Direito Processual Civil:

O Direito sem embargo de sua divisão em ramos autônomos, caracterizados por métodos, objetivos e princípios próprios, forma um conjunto maior que tem em comum o destino de regular a convivência social. Por essa razão, por mais que sejam considerados autônomos os seus ramos, haverá sempre entre eles alguma intercomunicação, algum traço comum e até mesmo alguma dependência em certos ângulos ou assuntos.

Cai a lanço notar que íntima é a relação dos direitos humanos com o direito constitucional. Impede salientar que em quase todas as constituições hodiernas os direitos humanos estão albergados sob a denominação de direitos fundamentais. Consoante noção cediça, portanto, o foro privilegiado de discussão dos direitos fundamentais é o direito constitucional, posto que fazem parte do conteúdo básico e elementar das modernas constituições.

Vale trazer a colação o que preleciona o ilustre catedrático CANOTILHO (1993, p. 517) em Direito Constitucional:

 

 

 

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica completa.

A constitucionalização dos direitos humanos ou dos direitos fundamentais ensejou a positivação dos mesmos, tornando-os categorias dogmáticas. Como, ainda, leciona CANOTILHO (1993, p. 497):

… sem esta positivação jurídico-constitucional, os direitos do homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não diretos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional.

Não sendo demasia acentuar as palavras de Cruz Villalon apud CANOTILHO (1993, p. 497):

… onde não existir constituição não haverá direitos fundamentais. Existirão outras coisas, seguramente mais importantes, direitos humanos, dignidade da pessoa; existirão coisas parecidas, igualmente importantes, como as liberdades públicas francesas, os direitos subjetivos públicos dos alemães; haverá, enfim, coisas distintas como foros ou privilégios.

 

Sob este prisma, os direitos humanos, são aqueles que o homem possui pelo simples fato de existir. São inerentes à pessoa e se proclamam sagrados, inalienáveis, imprescritíveis, fora do alcance de qualquer poder político. Neste tom o luminar Ricardo Lobo Torres[3] afirma que os direitos humanos se caracterizam por serem “preexistentes à ordem positiva, imprescritíveis, inalienáveis, dotados de eficiência erga omnes, absolutos e autoaplicáveis”. Para alguns, são uma constante histórica, com nítida raiz no mundo clássico; para outros são provenientes do cristianismo e da defesa que realizou da pessoa e da sua dignidade. Para os demais, são direitos surgidos na Idade Moderna. Para o preclaro jurista Norberto Bobbio[4], por exemplo, os direitos humanos são um dos principais indicadores do progresso histórico.

Os direitos humanos, quando constitucionalizados, recebem o qualitativo de fundamentais, uma vez que estão num nível hierárquico-normativo superior. Desta maneira, os direitos fundamentais, e as liberdades públicas, situados no contexto do Direito Constitucional, são aqueles redigidos no próprio texto das constituições, adquirindo condição de normas jurídicas fundamentais às quais se prendem outras leis destinadas à proteção dos mesmos.

As liberdades públicas pressupõem que o Estado reconhece aos indivíduos o direito de exercer (sob a proteção de qualquer força externa) um certo numero de atividades. São liberdades porque permitem atuar sem coação; são públicas porque cabe aos órgãos públicos respeitá-las e garanti-las.

Os direitos fundamentais sustentam-se no livre controle da lei, sendo reconhecidos, nas constituições, como aqueles dotados de maior teor jurídico; estão garantidos pelo estabelecimento de procedimentos preferenciais e rápidos para a sua proteção e aplicação. São os direitos fundamentais, na venturosa expressão de BONAVIDES (2001), o oxigênio das constituições democráticas.

Prima facie, quando se intenta ao estudo dos direitos fundamentais, percebe-se, de inicio, que tem nascedouro conjunto com o próprio constitucionalismo. É bem verdade que a ciência do Direito Constitucional, como explicita NADER (1998, p. 409), começou a formar-se com os estudos promovidos por Montesquieu, ao desenvolver a clássica divisão dos poderes, no entanto sua consolidação, como saber autônomo e sistemático, ocorreu, ao final do século XVIII, com a promulgação das primeiras constituições: a norte-americana, 1787; as constituições francesas de 1791, 1793 e 1795, além da famosa “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, na França, em 1789.

Afigura-se-nos, então, o necessário corte histórico na evolução dos direitos fundamentais, com vistas a um melhor entendimento, mesmo porque, como dito, poderemos acompanhar todo seu desenvolvimento histórico-evolutivo que sobremaneira facilitará o raciocínio neste estudo.

2.1              Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais

Muitos filósofos e historiadores do Direito consideram que não se pode falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente. Até então, as normas da comunidade, concebidas na relação com a ordem cósmica, não deixavam espaço para o ser humano como sujeito singular, concebendo-se o direito primariamente como a ordem objetiva da sociedade. A sociedade estamental tem seu centro em grupos como a família, a linhagem ou as corporações profissionais ou laborais, o que implica que não se concebem faculdades próprias do ser humano enquanto tal. Pelo contrário, se entende que toda faculdade atribuível ao indivíduo deriva de um duplo status: o do sujeito no seio da família e o desta na sociedade. “Fora do Estado não há direitos”.

A existência dos direitos subjetivos, tal e como se pensam na atualidade, será objeto de debate durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o que é relevante porque habitualmente se diz que os direitos humanos são produto da afirmação progressiva da individualidade e que, de acordo com ele, a ideia de direito do homem apareceu pela primeira vez durante a luta burguesa contra o sistema do Antigo Regime. Sendo esta a consideração mais estendida, outros autores consideram que os direitos humanos são uma constante na História e tem suas raízes no mundo clássico; também sua origem se encontra na afirmação do cristianismo da dignidade moral do homem enquanto pessoa.

Encontramos, na Bíblia, escrito, no livro de Gênesis, que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, assinalando que o homem foi o ponto culminante da criação, a excelência de Deus. Entende-se, neste sentido, que a vida é sagrada e o homem é o ser supremo sobre a terra. Assim, todo homem é único e quem suprime sua existência é como se destruísse o mundo por completo. O texto bíblico denota a existência do que CANOTILHO (1993, p. 517) conceituou direitos humanos.  O brilhante filósofo francês Jacques Maritain apud MELLO (2001, p. 780) acrescenta às palavras anteriores: “o valor da pessoa, na liberdade, seus direitos, pertencem à ordem das coisas naturalmente sagradas”. Completando, ainda que: “a pessoa tem uma dignidade absoluta porque ela está em uma relação direta com o absoluto…”.

A história é rica e ensina-nos que cada etapa da evolução da humanidade importa na conquista de novos direitos, e o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem integra esta escalada progressiva na busca do que é melhor para o bem comum.

Utilizando a história, como ferramenta, e como já dissemos, anteriormente, vemos que os alicerces dos direitos fundamentais residem nas declarações de direitos do século XVIII. A verdade é que a este tempo surgiram as declarações de direitos no sentido moderno, com as Revoluções Americana e Francesa todavia, na Inglaterra, desde 1215, já se elaboravam cartas e estatutos que tinham por escopo assegurar os direitos fundamentais, muito embora tivessem conteúdo textual limitado, com destaque para a Magna Carta, a Petition of Rights, o Habeas Corpus Amendment Act, e o Bill of Rights.

Destes, sem dúvidas, o documento mais importante é o Bill of Rights que fez surgir na Inglaterra a monarquia constitucional, submetida à soberania popular, que teve em Locke seu principal teórico e que serviu de inspiração ideológica para a formação das democracias liberais da Europa e da América nos séculos XVIII e XIX[5].

A nosso ver, encerra-se aqui a primeira fase histórico-evolutiva das declarações de direitos, é bem verdade que uma fase que antecede as primeiras declarações de direitos fundamentais em sentido moderno.

A fase seguinte de nosso corte histórico-evolutivo se evidencia mui claramente com a primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno: a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, datada de 12/01/1776, anterior, portanto, à Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, que data de 04/07/1776. Cumpre-nos assinalar que tanto a primeira quanto a segunda sofreram influência direta da filosofia de Locke, Rousseau e Montesquieu.

Conforme evidenciado, posteriormente a esta declaração, seguiu-se a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, dando lugar, por conseguinte, à Constituição dos Estados Unidos da América, aprovada na Convenção de Filadélfia em 17/09/1787. No entanto, esta Carta Política não continha, em seu bojo, uma declaração dos direitos fundamentais do homem, o que só viria a ocorrer em 1791, quando da aprovação das dez primeiras Emendas à Constituição, elaboradas por Thomas Jefferson e James Madison.

Em 26/08/1789, o mundo é agraciado com aquela que, anos mais tarde, seria conhecida como a mais célebre declaração de direitos: a Déclaration des Droits de L’Homme et du Citoyen, não que as anteriores tenham menor importância, é que as declarações norte-americanas se mostravam preocupadas, particularmente, com a situação que os afligia, tendo a declaração francesa caráter mais universal. Talvez, por conta disso, mereça comentários menos perfunctórios, pouco mais extensos.

Notadamente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, constitui um dos textos mais importantes da história mundial, caracterizado por sua relevância universal, podendo-se destacar, ainda, segundo SILVA (1999, p. 161), outras duas características importantes: o intelectualismo, haja vista que devia anunciar a chegada de uma sociedade ideal e o individualismo, justamente pelo fato de consagrar os direitos dos indivíduos e de resguardá-los contra o Estado.

É importante e mister se faz ressaltar a influência do racionalismo Francês sobre esta declaração, filósofos do século XVIII, em particular Voltaire, Montesquieu, Rousseau, além do inglês Locke, exerceram igualmente uma grande influência sobre os redatores. Por isso e, como dissemos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, disposta à frente da Constituição, foi de uma grande originalidade: diferentemente da declaração americana, a declaração francesa estava despojada de toda preocupação nacional e surpreendeu pela audácia de seu propósito. A Revolução Francesa afirmou, neste aspecto, seu caráter absoluto e universal.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão compreende muitas funções. Oferece, inicialmente, legitimidade a uma Assembleia Constituinte que se autoproclamou como tal e que, por esta mesma razão, pode ser contestada. Colocando à frente os direitos inalienáveis e sagrados do indivíduo em sociedade – que a Assembleia se limitou a expor e a servir – os deputados deram à sua missão uma autoridade que até então faltava: apoiando-se sobre fundamentos naturais, suas reivindicações não podiam ser, dali em diante, taxadas de pretensões arbitrárias.

Entretanto a Declaração tinha por objetivo, sobretudo, instaurar uma nova ordem política, baseada nos princípios extraídos da filosofia dos direitos naturais: a influência de Rousseau, de Voltaire, de Montesquieu e, mais geralmente, do onipresente ideal do Século das Luzes.

No espírito de Sieyès, a Declaração permitia assegurar a plenitude dos direitos naturais do homem, inerentes a cada indivíduo em razão de sua qualidade de humano e membro de um corpo social. No primeiro nível, destacavam-se a liberdade e a igualdade cívica. Entre os direitos individuais, a liberdade é o tema do maior número de artigos (artigos 2º, 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 17º), que afirmavam a liberdade individual, de opinião e de imprensa, mas não mencionavam a liberdade de domicílio, de associação e de ensino. A igualdade de direitos – lei idêntica para todos e livre acesso aos empregos públicos – está nos artigos 6º e 13º. O direito de resistência à opressão (artigo 2º) legitimou a ação dos rebeldes do 14 de julho. Enfim, objeto de vivos debates, a propriedade foi definida no artigo 17 como um direito inalienável e sagrado: aos olhos dos revolucionários, a independência econômica do indivíduo é, com efeito a garantia do livre exercício de sua soberania política.

Visto que se respeitavam os direitos alheios, garantidos pela lei, os cidadãos deviam exercer a mais absoluta liberdade de culto, de opinião, de expressão. As questões religiosas estavam, de uma vez, no centro dos debates. Membros do clero, representantes de ¼ dos deputados, desejavam que o catolicismo fosse declarado religião de Estado. A questão foi finalmente tratada no artigo 10: “ninguém pode ser incomodado por suas opiniões, sequer religiosas”.

A Declaração procurava evitar o arbítrio de um poder pessoal. O Estado, neste novo panorama, não mais encontrava seu fim em si mesmo, mas na conservação e garantia dos direitos naturais. A Declaração afirmou igualdade o princípio da soberania do povo: daqui para frente, o poder residia na nação e seu exercício era delegado a um Parlamento. Os direitos da nação (artigos 3º, 6º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º) puseram termo ao absolutismo e formularam as bases da sociedade futura. A monarquia não foi sequer mencionada, pois o princípio de toda soberania resida na nação (artigo 3º). A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão preparou o caminho para a república e para a instauração do sufrágio universal. Esta mesma preocupação de luta contra o arbítrio foi a fonte da afirmação da separação dos poderes (artigo 16º), diretamente inspirada das ideias de Montesquieu.

Os ideais fundamentais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, “a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”, são fundamentos do liberalismo do século XIX, ainda que não tenham sido aplicados na França revolucionária. O texto de 26 de agosto de 1789 tornou-se, entretanto, o dogma da Revolução e inspirou todas as declarações posteriores.

A Declaração de 1793 teve um caráter mais social, formulando a igualdade como um direito natural fundamental e citando, igualmente, os direitos ao trabalho, à assistência e à instrução. A de 1795, mais conservadora, suprimiu o artigo “os homens nascem e se mantêm-se livres e iguais em direito”,  a fim de permitir o restabelecimento do sufrágio censitário e mencionou, igualmente, os deveres dos cidadãos.

Em virtude de todas essas considerações, convém ponderar que esta declaração francesa, de 1789, é abalizada como o documento maior do Estado Liberal e, por conta disso, serviu de entusiasmo criador às declarações constitucionais a partir de então. Inclusive, como destaca SILVA (1999, p. 166):

O sentido universalizante das declarações de direitos, de caráter estatal, passou a ser objeto de reconhecimento supra-estatal em documentos declaratórios de feição multinacional ou mesmo universal.

É sobremodo importante assinalar que à medida que se consolida o Estado Moderno, começa-se a falar em Direitos Humanos decorrentes dos períodos de conflitos coletivos. Consoante já afirmado, anteriormente, os direitos humanos consolidam-se, mais adiante, em declarações de direitos permitindo sua inclusão nos direitos fundamentais, dotados de garantias.

É desta maneira que se estabelecem no direito internacional, na época da II Guerra Mundial, a partir da qual são elaborados inúmeros documentos destinados a especificá-los, garantir sua proteção, ressaltar sua importância e a necessidade de respeitá-los. A Carta da Nações Unidas, de 26/06/1945, foi a primeira a seguir esta linha pensamento, impregnada da ideia do respeito aos direitos fundamentais do homem.

O certo é que, após a Segunda Guerra Mundial, sentindo a necessidade inadiável de estreitar os laços de solidariedade internacional e de se criarem mecanismos internacionais garantidores dos direitos fundamentais, a Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro de 1948, votou uma Declaração Universal dos Direitos do Homem inspirada na de 1789, que afirmou os direitos individuais, sociais e políticos, ficando reconhecida, assim, uma nova ordem social. De maneira que os direitos passaram a ser não apenas reconhecidos, mas efetivamente protegidos inclusive contra o próprio Estado e tendo como titulares não apenas os cidadãos de cada Estado em particular, mas todos os cidadãos do mundo.

O objetivo desta declaração é promover e reforçar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. A declaração foi concebida como a primeira parte de um projeto de lei internacional sobre os direitos do homem. Com efeito, segundo o magistério do conspícuo BOBBIO (1992), em sua afamada obra “A era dos direitos”[6], os direitos relacionados na Declaração de 1948:

… não são os únicos e possíveis direitos do homem. (…) Não é preciso muita imaginação para prever que o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novos carecimentos e, portanto, para novas demandas de liberdade e de poderes.

 

No entanto, conforme leciona, com aturada lucidez, BASTOS (1999, p. 175):

Do ponto de vista estritamente jurídico, a Declaração não é senão, uma Resolução, cujo conteúdo não pode tornar-se obrigatório para os Estados, a não ser quando ele é retomado sob a forma de uma Convenção ou pacto entre eles firmado. (…) Sua significação é eminentemente moral.

Portanto, ainda que se observe que os principais marcos históricos da temática estão na Revolução Parlamentar Inglesa, na Independência dos EUA e na Revolução Francesa, com suas respectivas Declarações, a inclusão da observância dos Direitos Humanos entre os princípios da Carta da ONU (1945) e a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) representaram mudança qualitativa das relações internacionais, vê-se, inclusive, que o assunto pela sua transcendência já extrapolou os limites de cada Estado para se tornar uma questão de interesse internacional[7]. Restando claro que o tema “Direitos Fundamentais” constitui um dos itens mais importantes da agenda jurídica contemporânea.

 

DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

O estudo e a pesquisa do Direito estão a demandar, de um lado, um suporte epistemológico e, de outro, uma indicação metodológica que ofereça caminhos mais seguros para a produção, apresentação e discussão de seus resultados teóricos e práticos.

O que se verifica, atualmente, nos debates que envolvem produção científica em Direito é um enorme desencontro de dados, raciocínios e juízos, tornando o processo de discussão dos resultados da pesquisa jurídica um jogo retórico ainda pouco consistente, muito pautado em argumentos históricos ou de autoridade, pouco comprometido com a produção e o avanço do próprio conhecimento.

Nesse contexto, exsurge a necessidade de serem iniciadas investigações sobre a essência do Direito e também sobre o afazer jurídico, o que, de alguma forma, irá colocar a descoberto a crise que o Direito experimenta neste início de século XXI.

Superada a fase de estudo dos pressupostos políticos e históricos dos Direitos Fundamentais, faze-se necessário que passemos adiante com uma analise puramente dogmática do fenômeno constitucional brasileiro.

3.1    Compreensão Jurídico-dogmática dos Direitos Fundamentais

A inteligência dos estudos já efetuados sobre Direitos Fundamentais nos obriga a enfatizar, neste momento, a compreensão sobre a estrutura e a função desses direitos. Sendo sobremaneira importante suscitar os nomes de Jellinek e Alexy, por suas contribuições ao desenvolvimento do assunto.

Como já é sabido, os Direitos Fundamentais, tidos como valores precípuos plasmados em uma constituição, traduzem as concepções jurídico-filosóficas de um determinado tempo, aceitas por uma determinada sociedade, por isso mesmo ao tempo que são fins desta sociedade, são direitos de seus indivíduos.

Sob este prisma, a grande maioria da doutrina avista nos Direitos Fundamentais uma dupla dimensão: subjetiva ou individual em contraposição a um caráter objetivo ou institucional.

A construção teórica dos direitos fundamentais tem muito a ver com Jellinek e sua famosa “Doutrina dos Status”, deixando claro a ideia de que as normas de direitos fundamentais, enquanto objetivam assegurar posições jurídicas aos indivíduos, cumprem diferentes funções.

Jellinek, segundo a “Doutrina dos Status”, leciona que os direitos fundamentais garantem aos indivíduos diversas posições jurídicas em relação ao Estado, as quais são chamadas status e qualificam os sujeitos. Pode-se verificar a existência de quatro status: negativo, passivo, positivo e ativo.

O status negativo conforme escreve BARROS (2002, p. 133), “corresponde à esfera de liberdade na qual os interesses essencialmente individuais encontram sua satisfação”. O status passivo constitui o campo no qual o indivíduo se encontra em posição de sujeição ao Estado, sendo a esfera de obrigações. Percebe-se, de logo, um peculiar relacionamento entre ambos: quanto maior o status passivo, menor o status negativo, restando claro a relação de contradição existente. Salienta BARROS (2002, p.134) que “cada novo dever imposto representa uma diminuição de esfera de liberdade do indivíduo”.

Em abono de sua tese, Jellinek ensina que o status positivo é aquele que dota o indivíduo de capacidades jurídicas para exigir do Estado prestações positivas, ou seja, para reclamar para si algo a que o Estado está obrigado, mesmo que seja uma conduta estatal de conteúdo negativo, uma abstenção. Da maneira que vimos existir determinada relação entre os status negativo e passivo, o status positivo também forma uma relação com o status passivo, desta vez uma via de mão dupla: enquanto neste é o indivíduo que possui obrigações para com o Estado, naquele é o Estado quem as possui em relação ao indivíduo.

Finalmente, o status ativo é aquele no qual o cidadão recebe competências para participar do Estado, com o fim especial de formar a vontade estatal, devendo suas competências adstritas ser relacionadas com as posições que pertencem a outros status.

Vale, aqui, lembrar a sublime lição de BARROS (2002, p. 135):

A teoria dos status procura evidenciar que os direitos fundamentais nada mais são do que o conjunto de todas as normas jurídicas fundamentais que atribuem ao cidadão diferentes posições jurídicas frente ao Estado. (…) A doutrina de Jellinek tem se constituído em pano de fundo não só para aclarar uma teoria estrutural dos direitos fundamentais, como para justificar modernas concepções sobre o objeto desses direitos. (…) O que importa ser compreendido, (…) é que as posições elementares do indivíduo dentro da sociedade são conhecidas por meio de normas fundamentais que proíbem, ordenam ou facultam comportamentos, organizando dessa forma o exercício da liberdade.

En passant, chegamos ao conteúdo estrutural dos direitos fundamentais, segundo o qual Robert Alexy apud Barros (2002, p. 136) justifica a existência de direitos fundamentais sob tríplice estrutura, designando-os como:

  1. Direitos a algo;

 

  1. Liberdades; e

 

  1. Competências.

 

No entanto, a contrário do que muitos imaginam, esta classificação não enseja o entendimento de que são categorias estanques. Um direito deve sempre ser visto como uma via de mão dupla e como um feixe de possibilidades de comportamentos, sejam estes imperativos ou facultativos, inter-relacionados sempre, de maneira que um direito previsto, na Constituição, pode apresentar-se estruturalmente sob, até,  as três modalidades. Assim como duas, ou apenas uma.

Para Alexy, o direito a algo é representado por uma relação tríade:

A tem frente a B uma pretensão P.

 

Em que o conteúdo de P (pretensão), é o importante. Segundo doutrina Alexy, a pretensão a um comportamento tem sempre um duplo sentido, pelo fato de que a pretensão se realiza por uma ação negativa e outra positiva. Desta forma percebe-se que os direitos a ações negativas são considerados típicos direitos de defesa dos indivíduos, constituindo-se na chamada esfera de liberdade individual. Contudo, os Direitos Fundamentais não se abreviam somente por meio de pretensões de não fazer, se materializam, outrossim, por pretensões positivas. Estas sempre encerram, uma prestação de natureza fática ou de natureza normativa, assim como doutrina Alexy.

Com relação às liberdades, Alexy, acredita que só haverá uma liberdade fundamental, quando esta liberdade estiver protegida por norma explícita da Constituição, como por exemplo: a liberdade de associação, garantida pelo inciso XVII do artigo 5º de nossa Carta Fundamental. Para ele, não basta que o indivíduo esteja amparado pelo princípio de que tudo que não é obrigado ou proibido é permitido, visto que essa liberdade pode vir, em tese, a ser restringida ou aniquilada por legislação infraconstitucional. Portanto, se uma conduta é protegida pela previsão de ser permitida, será inconstitucional uma lei que ordene ou proíba a prática deste comportamento.

Por fim, e no tocante à competência, é importante que se saiba que a norma de direito fundamental que atribui uma competência não está permitindo, proibindo ou ordenando algo. O que ocorre é que normas dessa natureza capacitam o indivíduo, por meio de uma ação, a modificar a posição jurídica de algo ou de alguém em relação àquela de seu estado natural. É por isso que, a partir dessa noção de competência, torna-se claro a sua vinculação às garantias institucionais, aos direitos às ações negativa e positiva do Estado e à liberdade do indivíduo.

3.2   Características, Classificações e Tipologia dos Direitos Fundamentais

É possível reconhecer nos Direitos Fundamentais certas características, as quais, a seguir, serão expostas e explicadas, segundo o ensinamento do sempre preciso e célebre José Afonso da Silva em sua admirável obra Curso de Direito Constitucional Positivo[8].

Em primeiro lugar insta reconhecer a Historicidade, e não poderia ser diferente, visto que, como direitos, devem ser históricos: nascem, modificam-se e desaparecem.

Posteriormente, ensina o preclaro professor, a Inalienabilidade, posto que são indisponíveis, são direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial.

A seguir, é salientado a Imprescritibilidade dos Direitos Fundamentais que assim o são por serem sempre exercíveis e exercidos, não havendo intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.

E, por fim, a Irrenunciabilidade, admitindo-se até, para alguns deles, o não exercício, no entanto, jamais a renúncia. Direitos Fundamentais não se renunciam.

No tocante à classificação, podemos perceber, entre os vários doutrinadores pesquisados, múltiplos critérios adotados para sua efetivação, no entanto, alguns deles parecem mais confundir que esclarecer. A respeito disso, em nosso trabalho, cotejaremos duas destas classificações, as quais consideramos mais importantes.

Concebidos, inicialmente, como direitos da liberdade, os direitos fundamentais tinham como titular o indivíduo e eram oponíveis ao Estado. Sua característica mais marcante era a subjetividade; eles valorizavam a pessoa humana individualmente considerada. A preocupação, então, era resguardar a liberdade do cidadão diante do poder do Estado absoluto, ao tempo em que o fazia participar do poder político. Hoje são denominados de direitos de primeira geração ou dimensão, como queiram. Os Direitos Individuais são aqueles que afetam os indivíduos em particular[9].

Com a revolução industrial e a consequente saída do homem do campo para a cidade, o mesmo homem passou a ter conhecimento de novas formas de tecnologia e a ter participação assegurada em outros espaços sociais. Passou a ver e a desejar um maior bem estar material. Em reforço, surgiu o Estado Social que, intervindo no domínio econômico, buscava o pleno emprego, o desenvolvimento e uma melhor distribuição de renda. Nascem, então, os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos que, ao contrário dos direitos de liberdade, oponíveis ao Estado, dele necessitavam para sua efetivação. Sendo aqueles que amparam um grupo determinado de pessoas que estejam ligadas por algum vínculo jurídico[10].

Os direitos individuais passaram a ser vistos não mais como valores absolutos, mas foi-lhe reconhecida uma função social. Sendo bastante pertinente a colocação dos professores Motta & DOUGLAS (2000, p. 35) quando ensinam que é importante:

… mencionar que o respeito ao direito individual de qualquer pessoa é de interesse de todos. Quando se admite, qualquer que seja a razão, a violação do direito do próximo, abre-se a porta para um desrespeito futuro do seu próprio direito.

Nessa linha de raciocínio, impede reconhecer que esses direitos de primeira e segunda gerações não são estanques, mas complementares e em constante dinâmica de interação. São indivisíveis, pois a efetividade dos direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos é que garante os direitos de liberdade cuja efetividade, por sua vez, assegura os primeiros.

No final do século XX, surge a terceira geração de direitos fundamentais abarcando muito mais que a proteção dos direitos individuais e coletivos. Fruto de reflexões sobre temas como desenvolvimento, paz, meio ambiente, comunicação e patrimônio da humanidade, têm como titular não mais a pessoa humana ou as instituições, mas o gênero humano. São os chamados direitos difusos, transindividuais, que dizem respeito a um grupo indeterminado ou indeterminável de pessoas que buscam a satisfaçao de um direito que a todos pertencem[11]. Somente a título de exemplificação BONAVIDES (2001, p. 523) informa que já foram identificados pela doutrina cinco direitos de terceira geração: direito ao desenvolvimento, à paz, ao ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e à comunicação, mas que outros podem estar surgindo ou vir a surgir devido à expansão universalista dos direitos fundamentais.

Parece-nos oportuno salientar que alguns autores já reconhecem a existência de direitos de quarta geração: democracia, direto a informação e ao pluralismo, na esteira da globalização econômica e política.

Desta forma, ponderadas as considerações até aqui expendidas, será do ilustre e sublime Norberto Bobbio[12], a classificação dos Direitos Fundamentais em gerações:

                            a.        Direitos Fundamentais de 1ª Geração:

–        Direitos Civis e Políticos;

–        Ligados à noção de liberdade;

–        Caráter antiestatal, marcados pela despolitização da sociedade;

–        Titular: o indivíduo;

–        Oponíveis: ao Estado.

                            b.        Direitos Fundamentais de 2ª Geração:

–        Prevalecem no século XX, marcando a fase “weimariana” do constitucionalismo;

–        Carência de juridicidade num primeiro instante (programaticidade);

–        Noção de aplicabilidade imediata como pressuposto para uma maior eficácia;

–        Direitos sociais, culturais, econômicos, coletivos, ou de coletividades;

–        Ligam-se à noção de igualdade.

                             c.        Direitos Fundamentais de 3ª Geração:

–        Destinatário: o gênero humano;

–        Tem como objeto temas irredutíveis a um único indivíduo ou uma única sociedade: paz, meio-ambiente, patrimônio comum da humanidade, comunicação;

–        Expressam-se nos interesses difusos;

–        Caracterizados como direitos da solidariedade.

                                       d.    Direitos Fundamentais de 4ª Geração:

–        Direito à democracia, à informação, ao pluralismo para concretização de uma sociedade aberta;

–       Direitos assomando face aos avanços da genética

Os Direitos Fundamentais, em nossa Carta Magna, encontram-se dispostos no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, divididos em cinco capítulos, que são:

  • Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art.5º);

 

  • Capítulo II – Dos Direitos Sociais (arts. 6º a 11º);

 

  • Capítulo III – Da Nacionalidade (arts.12º e 13º);

 

  • Capítulo IV – Dos Direitos Políticos (arts. 14º a 16º);

 

  • Capítulo V – Dos partidos Políticos (art. 17º).

Data máxima Venia, vale trazer à colação, uma “classificação” feita de talento e imaginação, esculpida com o melhor do povo e da cultura pelo majestoso poeta paraibano Ronaldo Cunha Lima[13]:

Os direitos fundamentais são genéricos, são gerais, já comentam alguns críticos, são sociais e políticos, coletivos e individuais.

Contudo, para classificarmos os Direitos Fundamentais, com base na Constituição, usaremos a classificação feita pelo abalizado mestre José Afonso da Silva[14], que os engloba em cinco grupos diferentes:

  • Direitos individuais (art. 5º);

 

  • Direitos coletivos (art. 5º);

 

  • Direitos sociais (arts. 6º e 193º e ss.);    

 

  • Direitos à nacionalidade (art. 12º);

 

  • Direitos políticos (arts. 14º a 17º).

 

No entanto, impede salientar que, para que se entenda a classificação acima exposta, necessário é que se esquadrinhe o regime constitucional específico dos Direitos Fundamentais no Brasil. Na excelente obra “O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais”, Suzana de Toledo Barros escreve com aturada lucidez sobre o assunto, levando-nos a ecoar suas ideias.

Em primeiro lugar, criticas são lançadas quanto à sistematização do tema na Constituição Federal, segundo a autora, a Constituição de 1988, embora seja minuciosa na enumeração dos direitos fundamentais individuais e sociais não prima por uma boa sistematização e por uma clara disciplina da matéria. Vários são os motivos elencados que justificam esse entendimento, que ora compartilhamos:

  • Não ter sido levado em consideração pelo constituinte a estrutura dos direitos para separá-los nas categorias utilizadas;

 

  • Não haver separação entre direitos e os deveres, nem, ao menos, os de natureza individual dos coletivos no primeiro capítulo;

 

  • No segundo capítulo, que se refere aos direitos sociais, apenas trata dos direitos dos trabalhadores, de greve, e livre sindicalização, e participação na questão de seus interesses;

 

  • A matéria referente aos demais direitos (sociais) foi disciplinada em Título específico “Da Ordem Social”, sendo forçoso reconhecer que deviam integrar o complexo normativo dos direitos fundamentais.

 

             Assim é que, no Brasil, como já dissemos, os direitos e garantias individuais e coletivos estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal, os direitos sociais nos artigos 6º a 11º e os direitos políticos nos artigos 14º, 15º e 16º. Baseiam-se, fundamentalmente, nos princípios da isonomia (“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, artigo 5º caput) e da legalidade (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”, artigo 5º, II). Os direitos e garantias individuais e coletivos estão definidos em 77 incisos do artigo 5º, destacando-se dentre eles o seguinte: proibição de tortura ou tratamento degradante; livre manifestação do pensamento; liberdade de consciência e crença; liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação; inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas; liberdade de trabalho, ofício, ou profissão, atendidas às qualificações profissionais estabelecidas em lei; liberdade de reunião pacífica, sem armas; liberdade de associação; direito de propriedade, com função social; direito de herança; defesa do consumidor; garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada; não existência de crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; lei penal sem retroação, salvo para beneficiar o réu; racismo como crime inafiançável e imprescritível; não concessão de extradição a estrangeiro por crime político ou de opinião; prisão somente em flagrante delito ou em ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial; direito a habeas corpus, habeas data (livre informação) e mandado de segurança individual e coletivo contra atentado de autoridade pública a direito líquido e certo.

Como os direitos sociais afirmam-se constitucionalmente os de educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e livre associação profissional ou sindical. No caso do trabalho foram reconhecidos como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (artigo 7º), entre outros: emprego protegido contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, prevista indenização em dinheiro; seguro-desemprego; fundo de garantia de tempo de serviço; salário mínimo; remuneração especial de trabalho noturno; salário-família para dependentes; repouso semanal remunerado; férias anuais remuneradas; aposentadoria. Foi, também, admitido o direito de greve (artigo 9º).

No capítulo dos direitos políticos, a partir da premissa de que a soberania popular exerce-se pelo sufrágio universal e voto direto e secreto, definiu-se o voto obrigatório para maiores de 18 anos e facultativo para analfabetos, maiores de 70 anos e menores entre 16 e 18 anos. Foram estabelecidas como condições de elegibilidade nacionalidade brasileira, exercício pleno de direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e idade mínima de 35 anos para presidente, vice-presidente e senador; 30 anos para governadores e vice-governadores, 21 para deputados federais e estaduais, prefeitos e vice-prefeitos e 18 para vereadores.

Cabe ao Estado, a partir de então, e como afirmado acima, o papel extremamente importante de realizá-los concretamente.

3.3        Eficácia e Amplitude dos Direitos Fundamentais

Como é evidente, os Direitos Fundamentais só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade. Por isso o constituinte, na Constituição Federal de 1988, previu no art. 5º, § 1º que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. É aí que consiste a eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais.

Os direitos fundamentais a princípio são direitos subjetivos perante o Estado e, como tradicionalmente é concebido, teriam efeitos diretos apenas na relação particular-Estado, enquanto que nas relações entre particulares teriam efeitos apenas indiretos. A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (em alemão: Drittwirkung) propõe a incidência destes nas relações entre particulares também de maneira direta. Portanto, a palavra eficácia é empregada no sentido de “âmbito”, “extensão”, “alcance”. O tema está longe de ser incontroverso em diversos países do mundo, como a Alemanha, França, e EUA, mas, no Brasil, o STF já chegou a reconhecer o efeito direto dos direitos fundamentais nas relações privadas.

De maneira brilhante SILVA (1999, p. 467) esclarece que:

Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos, de tal sorte que só em situação de absoluta impossibilidade se há de decidir pela necessidade de normatividade ulterior de aplicação.

No entanto pode-se perceber um choque existente entre a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos Direitos Fundamentais e o caráter programático dos Direitos Sociais. Mesmo assim, é de opinião unívoca que se deve resolver pela eficácia dos Direitos Fundamentais, mesmo que negativa, e sua imposição ativa sobre o legislador para viabilizar sua aplicação.

Importante norma a se considerar, também, é a do § 2º do art. 5º, que garante que o rol de direitos e garantias é exemplificativo, não excluindo outros direitos decorrentes do regime, princípios e tratados dos quais o Brasil faça parte. Insofismável, portanto, que esta “abertura” constitucional, no que diz respeito aos Direitos Fundamentais, garante posição de destaque à possibilidade de recepção de direitos, ditos fundamentais, bem como na expansão de uma política universal destes direitos, possibilitando um maior enlace, leia-se união, entre as nações. Dando, de fato, uma amplitude capital para esses direitos tão fundamentais.

Inclusive, a este respeito, BONAVIDES (2001, p. 521) verificou que esses direitos ganham em sentido novo de globalidade, de universalidade, em que não é o Estado isolado que irá assegurá-los mas “uma comunidade de Estados ou toda a comunidade de Estados”.

Desta forma, tem-se fortalecido a ideia de que a proteção aos direitos fundamentais não pode ficar reduzida apenas à jurisdição doméstica de cada Estado porque o tema é de interesse internacional. A globalização ou internacionalização dos direitos humanos é uma das mais importantes questões do início deste século.

GLOBALIZAÇÃO VS. DIREITOS FUNDAMENTAIS

Após a realização de cuidadoso estudo sobre Globalização e sobre os Direitos Fundamentais, é imprescindível que se dimane o desenvolvimento de uma junção teórica entre a globalização e a categoria dos direitos fundamentais, num sentido de enfrentamento de ideias e situações peculiares. É imperioso salientar a observação feita por Thierry S. Renoux apud MAULAZ (2001, p. 183), quando reconhece que:

 

… qualquer Constituição deve responder a três objetivos:

 

                            a.        Garantir a separação dos poderes;

 

                            b.        Assegurar a hierarquia das normas;

 

                             c.        Proteger os direitos fundamentais. (Grifo nosso)

Destarte, podemos reconhecer que o processo globalizante, da maneira que acontece, lança diuturnamente novos desafios à teoria da Constituição. Não é sem razão que Paulo Bonavides entende que a Globalização está construindo a doutrina da decadência e abolição dos conceitos clássicos de Estado, Nação e Soberania, o que poderá significar uma irresgatável servidão, para as economias periféricas, que fará os fortes mais fortes e os fracos mais fracos[15].

De fato, deve ser levado em consideração o perigo que anda, lado a lado, com a globalização. O desafio de um mundo globalizado é compartilhado por todos, queiramos ou não, tenhamos em mente essa realidade ou não, todos sentimos e somos afetados por seus funestos efeitos. As dificuldades geradas pelo processo de globalização, como se observa, atingem direta e indiretamente o indivíduo, o cidadão, mormente nos Estados emergentes, que padecem com as desigualdades sociais, cada vez mais profundas.

O processo de globalização iniciou-se por razões econômicas e comerciais, mas verifica-se que seus efeitos são muito mais abrangentes, pois tem reflexos na vida particular de cada indivíduo e, consequentemente, reflete na sociedade como um todo.

No plano econômico, o neoliberalismo corresponde à expansão mundial do capitalismo de mercado, o qual adquire abrangência amplíssima, desconhecendo fronteiras nacionais, caracterizando-se também pela agilidade em movimentar com muita celeridade capitais de um ponto ao outro do planeta, com a finalidade de desenvolvimento de atividades apenas comprometidas com a obtenção de largas margens de lucros a prazo curto. Na ótica de BONAVIDES (2001, p. 524), a globalização preconizada pelo neoliberalismo, ao invés de resolver os problemas de toda ordem com que se deparam as sociedades, traz mais problemas, ao pregar a dissolução do Estado nacional com a consequente perda de soberania e ao pregar uma falsa doutrina de despolitização da sociedade.

Neste quadro, é evidente que o papel do Estado, como controlador do jogo econômico, é flagrante e amplamente limitado face ao caráter notavelmente internacionalizado do mundo, ainda que sua esfera de ação, neste campo, possa se manter e, por vezes, manifesta-se com força de decisão.

Um reflexo direto, nos direitos humanos dessa nova ordem econômica desativadora dos grandes investimentos estatais, foi o da ríspida e indelével redução na implementação dos direitos sociais, acarretando drástico decréscimo das proteções legal e jurisdicional aos hipossuficientes.

Notadamente nos países dependentes do capitalismo hegemônico internacional, essa redução dos direitos sociais é duplamente trágica, pois solidifica para a sociedade a exclusão, a pobreza e a marginalização de vastas camadas da população, quando não a incrementa e impede a “realimentação” dos direitos civis e políticos, podendo, assim, causar danos à concepção mesma de Estado de direito.

De fato, este é um aspecto de bastante importância, neste estudo dos efeitos da globalização nos direitos fundamentais, porque os direitos de segunda geração e, em parte, também os de terceira, independentemente de seus objetivos próprios, ou seja, independentemente da prestação jurisdicional que lhe é concernente, provocam, no ordenamento jurídico e na sociedade, um efeito ativador e reativador dos direitos clássicos de natureza individual. Como, inclusive, salientado, estes últimos encontram apoio e suportes de eficácia através do desenvolvimento dos direitos sociais, eis que estes contribuem, se efetivos e eficazes, para o alcance maior e mais pleno destes direitos de primeira geração.

Outro aspecto aludido da globalização, o tecnológico, também repercute sensivelmente nos direitos humanos.

Realmente, a valoração da tecnologia, tão cara à globalização, leva-nos a um mundo de certo modo inédito, se tivermos, em mente, um passado apenas relativamente distante. O efeito de “compressão” do espaço e do tempo é obstinadamente referido pelos estudiosos do assunto, significando que a modernidade traz em si esta ideia de um universo em que existe um movimento constante conducente à redução do próprio espaço que emoldura o “universal”, como, ainda, a uma notável e cada vez mais acelerada transmissão de dados, mensagens, ideias, imagens e sons. A consequência da ordem valorativa, mais visível em função desta questão, é a de que o presente e, muito especialmente, o futuro passa a desfrutar de um prestígio até então nunca suposto e que o passado é, no mais das vezes, relegado a um plano de importância minimizado.

Em suma, pode-se concluir que a globalização, não obstante os maléficos que traz, acaba trazendo avanços e desenvolvimento aos países subdesenvolvidos e ainda pode propiciar o processo de desenvolvimento dos países emergentes, na medida em que passarem a beneficiar-se dos avanços científicos, tecnológicos e de sua condição de vida.

Desta forma, verifica-se que, apesar das complexas e intricadas dificuldades trazidas pelo processo de globalização em termos econômicos, para governos, sociedades e cidadãos, o panorama de sua evolução deverá envolver o enfrentamento nome a busca de soluções das questões sociais que se vêm agravando, devendo a internacionalização das relações econômicas, políticas e humanas valorar e ter por meta, sobretudo, o ser humano como centro deste processo.

BRUM (2001, p. 84) ressalta que:

 

A agenda da globalização deve incluir a questão central da pessoa; a questão da democracia; a questão dos direitos humanos; a questão dos direitos das mulheres, das crianças e dos idosos; a questão do meio ambiente; a questão do desenvolvimento e da cooperação internacional; a questão populacional e demográfica; a questão da habitação; as questões da liberdade, da justiça e da paz. (…) Mas essa convergência de ideias e valores precisa passar, com urgência, para a etapa das ações concretas – responsabilidade de todos. (…) A democracia, o desenvolvimento e a justiça social são desafios universais, mas que se realizam na realidade concreta de cada sociedade. (…) Daí o desafio, não só de participar do processo, mas também de criar respostas nacionais à globalização.

 

O direito, obviamente, não está imune a esse estado de coisas e a tendência da decrescente internacionalização das relações jurídicas já se constitui em fato consumado. Os estudiosos dos direitos fundamentais e de sua tutela internacional, embora preocupados em face da globalização econômica, manifestam, no entanto, a esperança, com fundamento no sentimento de solidariedade, de que haja, também, uma globalização positiva dos direitos fundamentais cuja meta é a sua transformação em realidade.

Os direitos humanos, escudados em seu característico universalismo, seguem a trilha e desenvolve intensamente sua internacionalização. Isto posto, é conveniente e muito importante evidenciar a circunstância de que a globalização e a internacionalização dos direitos humanos têm início em um mesmo momento do século recém findo. Lógico que esta coincidência histórica não se constitui em mero acaso – a universalização dos direitos humanos encontra caminho fértil e amparo decidido na globalização.

Segundo nos ensina com grande magnitude e sempre preciso BOBBIO (1992):                              

Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nelas contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. No final deste processo, os direitos do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem. Ou, pelo menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras, porque compreende toda humanidade; ou, em outras palavras, serão os direitos do homem enquanto cidadão do mundo. Somos tentados a descrever o processo de desenvolvimento que culmina na Declaração Universal também de outro modo, servindo-nos das categorias tradicionais dos direitos naturais e do direito positivo: os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais. A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais.

Os direitos fundamentais tornam-se, com o transcorrer do tempo, cada vez mais universais, na medida em que são adotados em tratados firmados por vários países. Têm-se incorporado ao direito interno dos Estados signatários que, assim, sentem-se na obrigação de, diante da comunidade internacional, respeitá-los. O grande e expressivo volume de documentos internacionais de proteção à pessoa humana tem sido nota constante e extremamente apreciável dos tempos atuais. Os inúmeros tratados internacionais, quer os poucos que apenas se revestem de bilateralidade, quer os demais, representativos de um amplo acordo multilateral de vontades, multiplicam-se em nosso mundo, buscando normatizar e regrar temas do mais alto e significativo alcance e, também, dos mais diferentes matizes.

A tudo isso podemos denominar de universalismo dos direitos humanos. O universalismo afirma-se como um valor indesmentível, ressaltando em inúmeros encontros internacionais. Importa dizer, por ser de extrema relevância, que toda construção de um modelo normativo supranacional, visando a regular os novos entes globalizados, deve ser elaborado com total observância aos Direitos Fundamentais do Homem, por serem esses direitos pilares de um Estado Democrático de Direito.

Ademais, é igualmente indispensável que aquela norma ou aquele conjunto de normas substancialmente possam ser caracterizados como universais e não meramente universalizantes, afim de que se consubstancie o aspecto garantidor dos princípios que dão vida, conteúdo e forma ao Estado de Direito.

É valido salientar que, neste sentido, o Brasil, a nosso ver, alcança lugar de destaque, quando se verifica a existência do § 2 º do artigo 5º de nossa Constituição Federal, garantindo a amplitude e transcendência necessária aos Direitos Fundamentais. A possibilidade de se compartilhar Direitos advindos de tratados internacionais, garante, de certa forma, o sentido universal – mesmo que restrito aos signatários -, desses direitos.

Para nós, desta forma, a globalização seria entendida não só no sentido econômico, mas também no sentido de universalidade, como instrumento para atingir valores supremos como a justiça social e a dignidade da pessoa humana. Restando, claro, que a globalização que interessa verdadeiramente é a que coloca o homem no centro de tudo, como razão derradeira da sociedade e do Estado. E que deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva.

ALEGAÇÕES FINAIS

Os Direitos Fundamentais, atualmente são reconhecidos mundialmente, por meios de pactos, tratados, declarações e outros instrumentos de caráter internacional. Esses Direitos fundamentais nascem com o indivíduo. E por essa razão, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU – 1948), diz que os direitos são proclamados, ou seja, eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo ser retirados ou restringidos pelas instituições governamentais, que por outro lado devem proteger tais direitos de qualquer ofensa.

Conforme evidenciado, desde o início deste trabalho monográfico, nosso esforço, não foi, senão, o de fazer uma abordagem dos aspectos mais relevantes no que concerne à Globalização e aos Direitos Fundamentais, tendo sempre como norte, balizada doutrina nacional e estrangeira. A bem da verdade, a consulta bibliográfica que embasou todo o desenvolvimento desta atividade, serviu para que buscássemos dar vida própria ao nosso posicionamento, sem que, contudo perdêssemos um alicerce bem afirmado.

Portanto, à guisa de conclusão não podemos olvidar que, visando, sobretudo, a dignidade humana, considerada pelas constituições modernas como núcleo central dos Direitos Fundamentais, estes devem ser  observados, respeitados e garantidos seja qual for a situação por que passe a sociedade.

Outro fato importante e que também não podemos esquecer é que os Direitos Fundamentais trazem consigo anos de luta e afirmação e representam, por si só, uma conquista que não deve ser relegada à segundo plano, outrossim, uma conquista que deve ser respeitada e garantida às futuras gerações.

O valor intrínseco dos Direitos Fundamentais tem relação direta com o próprio valor do ser humano, por isso mesmo sua aplicação reafirma a valorização do homem pelo homem, além de continuamente garantir sua perene eficácia. Sabe-se que, onde quer que eles padeçam lesão, a Sociedade se acha enferma.

Deve-se salientar que o processo de globalização econômica e financeira, atualmente vivenciado, não pode anular jamais o caráter universal dos Direitos Fundamentais, sendo indiscutível, portanto, que os mesmos estejam sempre presentes nas relações internacionais, na vanguarda do desenvolvimento.

Desta maneira, para nós que buscamos uma sociedade em que o ideal de justiça é sempre o balizador de nossas atitudes, resta lutarmos contra os efeitos nefastos do processo globalizante, que promovem a concentração da riqueza, o aumento do desemprego, da pobreza, e da miséria, sem que, no entanto, deixemos de reconhecer e propagar o que este processo traz de positivo para o desenvolvimento das nações: a promoção da ciência, o intercâmbio cultural, enfim a melhoria da qualidade de vida do ser humano.

Sendo cogente reafirmar o compromisso do operador da ciência jurídica com o desenvolvimento das relações humanas pautadas, sobretudo, na ética e no valor humano.

As pessoas devem exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.

Os direitos humanos têm uma posição bidimensional, pois por um lado tem um ideal a atingir, que é a conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e por outro lado, assegurar um campo legítimo para a democracia.

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[1] Leonel Itaussu A. Mello e Luíz César Amad Costa, História Antiga e Medieval – Da comunidade primitiva ao Estado Moderno, p.129.

[2] Luciana Bullamah Stoll e Paulo Roberto Colombo Arnoldi. Globalização Realidade e Perspectivas.  Revista Jurídica da Universidade de Franca, p. 102.

[3]  Apud Celso Duvivier de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, p. 771.

[4]  Apud ibidem p. 770.

[5] José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 155 seq.

[6]  Ver: Presente e futuro dos direitos do homem.

[7]  Celso Ribei

ro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 174.

[8]   José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 185.

[9]  Sylvio Motta & William Douglas, Direito Constitucional, p. 34.

[10]  Ibidem.

[11]  Ibidem.                                                                          

[12]  In A era dos direitos.

[13]  Ronaldo Cunha Lima, Poesias Forenses, p. 62.

[14]  In Opus citatum, p. 157.

[15]  Paulo Bonavides, Do país constitucional ao país neocolonial, p. 139.

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