A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIRIETO À VIDA: QUESTÕES ÉTICO – LEGAIS.

Terezinha Pereira de Vasconcelos

 A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, estabelece que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos básicos do Estado Democrático de Direito, senão vejamos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

I – […]

II – […]

III – a dignidade da pessoa humana.

           

              Mas o que significa dizer que o Brasil é uma República Federativa que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana? Para Fernando Ferreira Santos[1], em seu artigo Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana:

 

Importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Aliás, de maneira pioneira, o legislador constituinte, para reforçar a idéia anterior, colocou, topograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado. Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana […].

 

            Dessa forma, todos os demais dispositivos constitucionais, assim como os infraconstitucionais, devem ser interpretados de acordo com a dignidade humana.

            Essa questão é de particular importância quando tratamos do tema do final da vida, e quais tratamentos devem ser conferidos ao indivíduo neste instante. Isso ocorre porque, nesse momento, o princípio da dignidade da pessoa humana é confrontado com outro princípio estabelecido pela nossa Constituição, no seu artigo 5º, qual seja o direito à vida.

        Afinal, o direito à vida é absoluto? Não poderia esse direito ser relativizado pela dignidade humana? Como distinguir, entre princípios constitucionais, qual deles deve preponderar sobre o outro?

            A valoração de princípios é diferente da valoração de normas. Ensina-nos Dworkin, citado por Waldo Fazzio Júnior[2].

Denomino principio um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade […]. A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é valida, e neste caso em nada contribui para a decisão.

 

                Assim, se uma norma entra em conflito com outra, avalia-se qual delas é hierarquicamente superior, e esta será aplicada ao caso concreto. No entanto, não é assim que se procede quanto aos princípios, já que todos eles possuem igual valor. Não há hierarquia entre princípios. Um princípio não é mais importante ou mais forte que outro. Por isso, quando nos deparamos com um confronto entre eles, a solução não é pesá-los, mas conciliá-los, já que, se duas regras entram em conflito, uma delas será invalidada, mas o mesmo não ocorre com os princípios, pois que estes podem coexistir.

            Desta maneira, não nos preocupamos em pensar qual princípio deve prevalecer sobre o outro, se a dignidade da pessoa humana ou o direito à vida, mas juntamos os dois, e entendemos que a nossa Constituição  garante o direito a uma vida digna.

            O respeito ao ser humano, sua dignidade, deve também abranger o respeito pela sua forma e hora de morrer. No fim da vida, o indivíduo já se encontra privado de exercer em plenitude seus direitos. Seria razoável que lhe fosse garantido, ao menos, o direito à sua dignidade.

            Sobre o tema, Maria Elisa Villas-Bôas[3] indaga: “Acaso o dirito à vida importa um dever de viver mesmo contra a vontade do titular do direito?” Ao que ela mesma responde: “[…]manter alguém prisioneiro indefinidamente de máquinas que, sem lhe restaurarem a saúde, atrelam-no, impotente, a um sofrimento sem perspectiva, é condenar a uma vida desumana e degradante”.

            Luiz Flávio Gomes[4], ao tratar do assunto, ensina que:

Não resta dúvida que o art. 5º da CF assegura a inviolabilidade da vida, mas não existe direito absoluto. Feliz, portanto, a redação do art. 4º da Convenção Americana de Direito Humanos, que diz: “Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. (grifo nosso).

 

                O mesmo autor ainda cita parte de um voto do Ministro Gilmar Mendes (STF, RE 466.343-SP, rel. Min. Cezar Peluso) em consonância com o seu posicionamento: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deve ser protegido por lei, e ninguém pode ser arbitrariamente privado dele”.

            De fato, nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida. No nosso próprio ordenamento encontramos exceções a essa regra, como no caso da pena de morte nos tempos de guerra, ou no caso do aborto legal. Se permitimos que um feto, que teria uma vida inteira pela frente, morra para que se preserve a vida da mãe, por que obrigamos um enfermo no fim da vida a permanecer preso ao seu sofrimento? Não nos parece justo que um paciente terminal seja obrigado a se submeter a tratamentos infrutíferos, por vezes dolorosos, para que tenha prolongada a sua existência por mais algumas semanas, se não for esta a sua vontade.

            A distanásia não foi apelidada de encarniçamento terapêutico à toa. Roxana Cardoso Brasileiro Borges[5], em seu artigo Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro, define a distanásia como “uma prática médica excessiva e abusiva decorrente diretamente das possibilidades oferecidas pela tecnociência e como fruto de uma teimosia de estender os efeitos desmedidamente, em respeito à condição da pessoa doente”. A autora nos lembra ainda que a diferenciação entre o “direito de morrer” e o “direito de morrer dignamente” existe e é perfeitamente aceitável, e que a distanásia fere a dignidade ao tratar o homem como “objeto da ciência”,  e não como “sujeito da existência”.

            Fica claro, portanto, que a aplicação de recursos disponíveis com o fim único de adiar a morte iminente configura a chamada obstinação terapêutica, o que deve ser evitado por médicos, por ser antiético, e por juristas, por ser inadequado. A aplicação de um tratamento, quanto fútil, não deve ser obrigada, e sua suspensão não deve ser encarada como tipo de homicídio ou de omissão de socorro. Até porque, nos casos dos pacientes terminais, tais práticas não podem sequer ser chamadas de tratamentos, pois, por não haver esperanças de cura para o doente, não há em verdade o que tratar. Portanto, o simples fato de existirem recursos médicos não torna obrigatória a sua utilização em todos os casos, mas apenas naqueles em que a terapêutica será útil e proporcionará benefícios para o doente.

            Maria Elisa Villas-Bôas[6], ao abordar o assunto dos pacientes terminais, explica que:

 

Diante de tais pacientes, três são as opções de conduta: prolongar a existência terminal mediante uso maciço de drogas e aparelhos, embora isso signifique também prolongar e intensificar a agonia; apressar o fim, mediante conduta ativa ou passiva de interrupção da vida; ou promover cuidados paliativos, tencionando tornar os momentos finais menos dolorosos, sem, todavia, investimentos técnico medicamentosos que visem a conservar, além do tempo natural, uma vida que não se pode mais melhorar. Entendemos que somente a última alternativa obedece aos preceitos da preservação da dignidade humana, já de si afetada pela doença que tira do indivíduo  sua autonomia, sua capacidade física e psíquica de zelar por si mesmo.

 

                A opinião da autora encontra total consonância com o nosso entendimento. A concepção de dignidade que possuímos está intimamente ligada a uma noção de autonomia. No fim da vida, deve-se respeitar essa autonomia, dando-se ao doente a opção de escolher o seu desfecho. Quando impossível, nos casos do enfermo estar inconsciente, deve-se dar essa opção à sua família. No entanto, nos casos de doenças graves e sem cura, de pacientes em estado terminal, o médico deve sempre defender a ortotanásia, ou seja, defender que sejam suspensos os tratamentos supérfluos, e que tomem seu lugar os cuidados paliativos, que garantirão conforto ao paciente nos seus últimos dias.

            Enfim, não se defende aqui um direito de morrer. Defende-se o direito de morrer com dignidade, no uso da autonomia a ela inerente; um direito de querer morrer no tempo natural, sem intervenção médica para antecipar ou prolatar a morte. Afinal, entendemos que o direito à vida não abrange um dever de viver além do tempo natural, mediante recursos que muitas vezes são mais dolorosos e desgastantes  que a própria doença enfrentada, pois essas situações ameaçam seriamente a dignidade da pessoa humana.

 

O FIM DA VIDA

 

A história natural de muitas doenças, a agressividade da vida moderna, em especial a do tráfego motorizado, sobre as pessoas, e o envelhecimento aproximam os seres humanos do período final da sua vida biológica. Também se refere, para tal, nas sociedades modernas, alguma perda ou desvalorização do sentido da vida quando esta não é agradável para a pessoa.         Existe um determinado momento na evolução de uma doença que, mesmo que se disponha de todos os recursos, o paciente não é mais salvável, ou seja, está em processo de morte inevitável. Este conceito não abrange apenas a potencialidade de cura ou reversibilidade de uma função orgânica atingida, mesmo tratando-se de órgão nobre. Refere-se àquele momento em que as medidas terapêuticas não aumentam a sobrevida, mas apenas prolongam o processo lento de morrer. A terapêutica, neste caso, torna-se fútil ou pressupõe sofrimento. E é nesse momento que a medicina de acompanhamento (também chamada de medicina paliativa) tem papel fundamental, para aliviar o sofrimento até a chegada da morte.

O objetivo primordial desta forma de cuidado, (paliativo) é o de conseguir para a pessoa doente, em fase de incurabilidade, o maior conforto e bem estar, tanto físico como psíquico e afetivo. Os tratamentos a efetuar destinam-se a atuar sobre os sintomas que traduzem sofrimento e sobre situações agudas, curáveis por intervenções, médicas ou cirúrgicas, imediatas.

O paciente no final de sua vida, tratado com compreensão afetiva e respeito, no domicílio ou em ambiente hospitalar, é conduzido a uma morte digna. É uma situação comum com as pessoas de idade muito avançada, com apoio familiar ou de um equipamento social de boa qualidade, que não têm nenhuma doença tratável, mas apenas senilidade ou seqüelas irreversíveis de acidentes vasculares cerebrais ou cardíacos.

Já o paciente grave e hospitalizado, que entra em fase terminal assistida pela equipe de saúde, onde a mesma decide interromper tratamentos que se tornaram claramente ineficazes segundo o melhor juízo clínico. Mas utilizando todos os meios necessários para assegurar o conforto e bem-estar do doente, de modo que o processo de morte decorra com respeito pela dignidade da pessoa humana.

Entre eles:

  1. O atendimento da pessoa em período final seja personalizado e constante, por parte da equipe de saúde;
  2. Seja permitida a presença de familiares durante 24 horas, bem como de outras pessoas que o paciente terminal deseje ver, incluindo ministros religiosos;
  3. Seja facilitada a “alta”, na fase final, se o doente ou a família o desejar.

Cumpridos estes requisitos, a morte em ambiente hospitalar (ou já fora dele) pode ocorrer com respeito pela dignidade humana.

 

ASPECTOS ÉTICOS RELACIONADOS COM O FINAL DA VIDA

 

A aplicação dos princípios éticos – beneficência, não maleficência, autonomia e justiça deve ser realizada em uma seqüência de prioridades. Os princípios da beneficência e não maleficência são prioritários sobre a autonomia e a justiça. De uma forma objetiva e simples, poderíamos dizer que na fase salvável deve prevalecer à beneficência sobre a não-maleficência. Neste período, justifica-se a aplicação de medidas salvadoras (diálise, amputações, ventilação mecânica, transplantes, etc), mesmo que tragam consigo algum grau de sofrimento.

Porém no momento em que o paciente é considerado em fase de morte inevitável, nas condutas posteriormente assumidas prevalece o princípio da não-maleficência. A atuação da equipe deve visar ao conforto do paciente e ao alívio do seu sofrimento, não devendo por isso capitular diante de possíveis sentimentos de incapacidade, incompetência ou omissão. Nesse momento, a equipe tem obrigação ética e moral de manter o suporte emocional e todas as medidas que visem a não-maleficência, questionando todas aquelas que possam ferir tal objetivo (tratamento fútil ou causador de sofrimento).

O princípio da autonomia está secundariamente situado em relação à beneficência e a não-maleficência, ou seja, o principio da autonomia não pode ser utilizada acima dos princípios da beneficência e não-maleficência. Os pacientes no final da vida apresentam algumas peculiaridades em relação à aplicação da autonomia, estudos mostram que apenas uma pequena porcentagem desses pacientes, devido ao grave comprometimento de sua doença, apresenta condições adequadas para realizar a opção.

Naqueles intelectualmente incompetentes, e no caso das crianças, o princípio da autonomia deve ser exercido pela família ou responsável legal. Tanto os familiares como os responsáveis devem ter por objetivo defender os melhores interesses do paciente (beneficência), evitar submetê-lo a intervenções cujo sofrimento resultante seja muito maior do que o benefício eventualmente conseguido, ou que determinem desrespeito à sua dignidade (não-maleficência). Em relação à criança, é importante ressaltar que seus interesses merecem proteção independente do seu reconhecimento pelos pais, pois estes não têm o direito de forçar seus filhos a receber tratamentos nocivos ou desproporcionalmente penosos, mesmo que por motivos religiosos. Conseqüentemente, a equipe deve intervir ou se negar a adotar condutas específicas quando as decisões dos pais forem contrárias aos melhores interesses da criança.

O princípio da justiça deve ser levado em conta na decisão final, embora também não deva prevalecer sobre os princípios da beneficência, da não-maleficência e da autonomia. Assim, se é consenso que um paciente, mesmo em estado crítico, seja beneficiado com um determinado tipo de medicação, a despeito de que o produto esteja escasso no hospital, se preserva os princípios da beneficência e da autonomia sobre os da justiça. Por outro lado, o mau uso dos princípios de beneficência, não-maleficência e autonomia pode levar a uma aplicação incorreta do princípio da justiça. Ou seja, se o paciente encontra-se na fase de morte inevitável e são oferecidos cuidados desproporcionais, estaremos, com esta atitude, utilizando recursos (leito de UTI, medicamentos, etc) que poderiam ser aplicados em outros pacientes.

A terminologia sobre as condutas empregadas ou negadas ao paciente terminal é ampla e polêmica, incluindo mais comumente: não-adoção ou retirada de medidas de suporte de vida, ordem de não reanimar, interrupção de tratamento fútil, distanásia, eutanásia, ortotanásia e mistanásia.

 

  1. Não-adoção ou retirada de medidas de suporte de vida: é a suspensão de todo e qualquer tratamento de preservação da vida do paciente que, por não trazer mais benefício para o mesmo, pode aumentar o seu sofrimento. A suspensão é condicionada à aceitação ou consentimento do próprio paciente ou sua família. Esta conceituação de atitudes hierarquiza os princípios éticos da não-meleficência, beneficência e autonomia;
  2. Ordem de não reanimar somente por ocasião de uma parada cardiorrespiratória: significa que a reanimação cardiorrespiratória não esta indicada em algumas situações, como em casos de doença terminal irreversível, por exemplo, já que tal atitude poderia conflitar com os desejos do próprio paciente ou poderia não atender aos seus melhores interesses. Considera-se atitude compatível com alguns valores éticos: não prolongar desnecessariamente a morte, evitar tratamento fútil, e distribuir recursos médicos a outros pacientes que deles pudessem se beneficiar;
  3. Interrupção de tratamento fútil: inclui a suspensão de intervenções terapêuticas, que se tornam fútil quando a sua adoção apenas prolongará a morte, não sendo efetivo para melhorar ou corrigir as condições que ameaçam a vida do paciente;
  4. Distanásia – morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento- embora pouco usado em nosso meio, é um termo que pode ser empregado como sinônimo de tratamento fútil. Trata-se de atitude médica que, visando salvar a vida de paciente terminal, submete-o a grande sofrimento ou tortura, possivelmente pela insegurança ou mesmo pela onipotência do profissional;
  5. Eutanásia – morte serena, sem sofrimento, oposto de distanásia- Prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável. Considerada na maior parte dos países uma conduta não aceita do ponto de vista ético, moral e legal, por existir a possibilidade de erro. Distinguem-se duas modalidades de eutanásia (ativa e passiva), em função do tipo de atitude tomada: Ativa que seria provocar a morte rápida, através de uma ação deliberada, como, por exemplo, uma injeção intravenosa de potássio; e a passiva, que seria deixar morrer através da suspensão de uma medida vital, e que levaria o paciente ao óbito em um espaço de tempo variável;
  6. Ortotanásia – Uma das recomendações dos consensos sugere que, uma vez tomada a decisão de suspensão de suporte de vida em paciente terminal, a atenção da equipe deve ser dirigida no sentido de aliviar-lhe o sofrimento e o da sua família, bem como assegurar-lhe uma morte mais digna. A equipe tem a obrigação de continuar com os cuidados de higiene e conforto, e com o tratamento para a dor e o sofrimento. Para tanto, analgésicos e ansiolíticos podem ser usados, ainda que, como para-efeito, possam determinar depressão da função cárdio-respiratória e, indiretamente, apressar a morte do paciente;
  7. Mistanásia – refere ao quadro das pessoas que morrem pela falta de acesso a saúde, alimentação, água, evidenciando-se casos de pobreza extrema, onde há a ausência total da medicina. Também conhecida como “eutanásia social”, pode ser caracterizada pela má prática da medicina, pelo erro medico, pela falta de acesso de tratamentos, enfim, por varias situações que as pessoas, principalmente de baixa renda e que não possuem plano de saúde, enfrentam diariamente em hospitais e postos de saúde públicos.

 

Uma vez tomada à decisão de suspensão de suporte de vida em paciente terminal, a atenção da equipe deve ser dirigida no sentido de aliviar-lhe o sofrimento e o da sua família, bem como assegurar-lhe uma morte mais digna. A equipe tem a obrigação de continuar com os cuidados de higiene e conforto, e com o tratamento para a dor e o sofrimento. Para tanto, analgésicos e ansiolíticos podem ser usados, ainda que, como para-efeito, possa determinar depressão da função cardiorrespiratória e, indiretamente, apressar a morte do paciente.

É eticamente inaceitável, à luz dos princípios já citados, que o doente terminal hospitalizado seja isolado e abandonado até que ocorra a morte na mais completa solidão.

 

LEGISLAÇÃO REFERENTE AO FIM DA VIDA

 

No Brasil há uma omissão legal do fenômeno eutanasico ou de qualquer fenômeno que tenha como conseqüência a morte, mesmo que esta seja a vontade do enfermo. No entanto, o Conselho Federal de Medicina publicou no dia 28 de novembro de 2006 a resolução nº 1805, que permitiu a ortotanásia. Ou seja, a possibilidade de médicos suspenderem tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida de pacientes terminais sem chances de cura, desde a família ou o próprio paciente concorde com a decisão, que deve constar no prontuário médico. O fundamento utilizado para tal resolução foi o de que não há interferência na vida das pessoas e sim respeito à própria natureza humana. Quando a medicina falha ou é insuficiente ela deve aceitar seus limites e continuar sendo solidaria e auxiliando o paciente da melhor maneira possível para que ele viva os últimos dias com dignidade, respeito e alivio.

A legislação prevê qualquer ação que leve ao paciente precocemente a morte como crime, sendo que, esta norma ética sob o aspecto jurídico não atua como lei impositiva.

O Estado de São Paulo é o único que possui em sua legislação, uma Lei que dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado e dá outras providencias, em vigor sob o nº 10.241, desde 17 de março de 1999. A Lei, sancionada pelo governador Mário Covas, originou-se do projeto de Lei nº 546/97, do deputado estadual Roberto Gouvêa (PT). Ela procura evitar a desumanização crescente das instituições de saúde, que tornam a pessoa mais um objeto passivo de cuidados do que um ser humano portador de doença. Prevê, no inciso XXIII do artigo segundo, o direito ao paciente terminal ou ao seu representante legal de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários que visam prolongar a vida, sendo que o inciso XXIV refere-se à escolha do lugar para se despedir da vida.

No que concerne ao direito à morte, os estudos atuais apontam para varias formas, mas que podem ser brevemente definidas através de vários termos, tais como eutanásia, mais conhecida e discutida, distanásia, ortotanásia e mistanásia. No direito brasileiro, nenhum desses termos, e principalmente o mais comum deles, a eutanásia, recebeu qualquer prenuncio sequer legal de impunibilidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O direito à vida, garantido pela nossa Constituição Brasileira, desde a concepção da vida até a morte, é inerente à dignidade humana e, por isso, estão embutidas em seu contexto condições mínimas, garantia de uma existência digna, a vida digna, as quais não são permitidas profundas desigualdades sociais, econômicas e culturais. São necessárias justiça social, eqüidade, humanidade, liberdade e possibilidade de desenvolvimento físico, intelectual e espiritual do ser humano para que este direito seja assegurado com veracidade de seus objetivos e seja inviolável.

É o valor dignidade que guia e sustenta toda e qualquer relação humana e é a partir dele que devem ser compreendidas, interpretadas e aplicadas as normas civis.

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

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CAMARGO, Viviam Furlan et al. Ética Final da Vida. São Paulo, 2009.

 

_____. Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal / organizador Luiz Flávio Gomes; obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 8. Ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

 

GOMES, Luiz Flávio. Eutanásia, Morte Assistida e Ortotanásia: Dono da Vida, o Ser Humano é Também Dono da Sua Própria Morte? – Boletim do Instituto de Ciências Penais. Ano VI – nº 77. Jan./Fev. de 2007.

 

JÚNIOR, Waldo Fazzio. Dworkin e o Império dos Princípios. Disponível em http://www.waldo.pro.br/dworkin.htm. Acesso em: .10-Nov.-2013.

 

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SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez.1998. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=160. Acesso em: 10-Nov-2013.

 

VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. Da eutanásia ao prolongamento artificial: aspectos polêmicos na disciplina jurídico-penal do final da vida. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

 

 

 


[1] SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional de dignidade de pessoa humana.

Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: http://jus.vol.com.br/doutrina/texto.asp?id=160. Acesso em: 10.nov.2013

[2] JUNIOR, Waldo Fazzio. Dworkin e o império dos princípios. Disponível em: http://www.waldo.pro.br/dworkin.htm. Acesso em: 10 nov.2013

[3] Obra citada, p. 138-139

[4] GOMES, Luiz Flávio.Eutanásia, morte assistida e ortotanásia: dono da vida, o ser humano é também dono da sua própria morte? Boletim do Instituto de Ciência Penais. Ano VI – Nº 77. Jan./Fev.  de 2007.

[5] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Apud BAUDOUIN, Jean-Louis, BLONDEAU, Danielle. Éthique de La mort et droit à La mort. Paris: Press Universitaires de France, 1993,p.89.

[6] Obra citada, p. 37.