Legítima Defesa da Honra, um Estudo Crítico da Legislação e Jurisprudência da América Latina Referente a Última Década

Prof. Leonardo Lia

Doutorando em Direito pela Universidade Federal Lomas de Zamora, (ARG), possui graduação em direito pelo Centro Universitário da Cidade (2007), pós-graduação em Direito do Estado e Gestão Pública pelo Centro Universitário da Cidade (2011), pós-graduação em Docência Superior pelo Centro Universitário da Cidade (2011), Professor, Palestrante e Conferêncista nas Matérias de Direito Constitucional, Direito Internacional Público e Privado, Direito Eleitoral e Deontologia Jurídica. Assessor Parlamentar da ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Introdução

O presente artigo tentará levar o leitor a viajar em um tema referente aos crimes de honra a partir de uma perspectiva sócio-jurídica de gênero e de direitos humanos, envolvendo diversos aspectos relacionados à forma pela qual a legislação trata a discriminação, bem como, mais especificamente, à forma pela qual os tribunais aplicam essa legislação em casos concretos.

Em que pese os avanços internacionais, regionais e nacionais logrados em relação ao tema, em especial na década de 90, ainda persistem, em pleno século XXI, legislações e decisões jurisprudenciais violadoras dos direitos humanos, marcadas pela impunidade de seus agressores e pela incorporação de estereótipos, preconceitos e discriminações contra as vítimas de violência.

Essas violações encontram-se, em especial no Brasil e em demais países da América Latina, entre outros aspectos, em certos dispositivos legais penais discriminatórios referentes à violência sexual.

Encontram-se também em teorias, argumentos jurídicos e sentenças judiciais que, por exemplo, constroem, utilizam e se valem da figura da legítima defesa da honra ou da violenta emoção para, de forma direta ou indireta, justificar o crime, culpabilizar a vítima e garantir a total impunidade ou a diminuição de pena em casos de agressões e assassinatos de vítimas de tal delito, em geral praticados por seus companheiros, namorados ou respectivos ex.

É exatamente sob esses aspectos legais e jurisprudenciais que o presente artigo centrará sua abordagem descritiva e analítica, buscando prover, em sua primeira parte, um breve panorama sobre o tema na América Latina. Em sua segunda parte, procederá a um estudo crítico dessa realidade social e jurídica de forma mais no Brasil, focando em casos exemplares sobre a aplicação da tese da legítima defesa da honra nessa última década.

Esperamos com esse tema, poder satisfazer o interesse visionário do pesquisador, obtendo para tal fato, um apanhado singelo dos acertos e erros ocorridos na ultima década nos países sul-americanos, e em especial Brasil e Argentina.

CRIMES DE LEGITIMA DEFESA DA HONRA NA AMÉRICA LATINA

As primeiras leis asseguravam que a legítima defesa tinha por fundamento o direito natural, derivada da própria necessidade da vida individual. Os jurisconsultos romanos afirmavam que, para um direito tornar-se efetivo, fazia-se necessária a existência da sociedade humana, no sentido de imprimir caráter jurídico e obediência a essa necessidade. Em vão tentou-se imprimir a idéia do instituto no espírito dos povos primitivos.

O certo é que a legítima defesa estava presente em quase todas as legislações antigas, no direito romano, germânico e canônico. À época, fazia-se menção a esse instituto, embora ainda sem uma denominação própria. Entretanto, este foi se moldando paulatinamente nas culturas predominantes até chegar ao estágio de sua evolução.

Fioretti nos dá uma excelente visão em quanto o que pensar nos limites deliminatórios de onde encerra uma agressão e começa uma legítima defesa:

“A legítima defesa fica reduzida a uma espécie de conta entre agredido e agressor; a cada pequena quantidade de excesso de uma parte corresponde um pouco de legítima defesa de outra parte.” (FIORETTI, Julio. Legítima defesa: estudo de criminologia. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 86)

O fato de ter o indivíduo de conter-se nos limites da norma permissiva, e, portanto, legitimado para tanto, é que gera a exclusão da criminalidade. Carrara critica essa condição taxando de solecismo intolerável e verdadeiramente grosseiro o de classificar a legítima defesa como escusa, negando a condição de um direito.

Para ele, os publicistas que classificaram a legítima defesa de escusa esqueceram-se dos mais elementares princípios do direito penal, alegando que não se deve reduzir o exercício de um direito ao efeito de uma generosa misericórdia da autoridade:

“Quando defendo minha vida ou a de outrem do perigo de um mal injusto e grave, não evitável por outra forma, e que ameaça a pessoa humana, não careço de escusa: exerço um direito, verdadeiro e sagrado; e ainda, melhor dizendo, um verdadeiro e sagrado dever, porque é dever a conservação da própria vida.”  (CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal. Parte geral. vol. 1. Campinas: LZN Editora, 2002, pp. 213 e 214)

Para melhor esclarecer, quando falamos em honra, devemos lembrar que a mesma se subdivide em duas naturezas.

A primeira é a honra subjetiva, que nada mais é do que aquilo que cada um pensa a respeito de si mesmo em relação a atributos diversos. Quando entramos nessa ceara, devemos lembrar das palavras do Doutrinador Damásio de Jesus que a descreve como:

“ Honra subjetiva é o sentimento de cada um a respeito de seus atributos físicos, intelectuais, morais e demais dotes da pessoa humana” ( JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Especial. Vol 2.. São Paulo: Saraiva, 2001, pg 201)

Já a segunda, é a honra objetiva que tão somente nos faz pensar que enquanto a honra subjetiva é o sentimento que temos a respeito de nós mesmo, a honra objetiva é o sentimento alheio incidido sobre nossos atributos.

Recorro novamente a Damásio onde o mesmo descreve:

“Honra objetiva é a reputação, aquilo que os outros pensam a respeito do cidadão no tocante a seus atributos físicos, intelectuais, morais etc” ( JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Especial. Vol 2.. São Paulo: Saraiva, 2001, pg 201)

Diversos e inúmeros são os conteúdos discriminatórios na legislação referente à violência em vários países da América Latina. Contudo, para efeitos de análise do contexto sobre os “crimes de honra” na região, centraremos a abordagem do tema em relação a certos aspectos de dispositivos legais penais referentes à violência sexual.

Vale mencionar que, de acordo com os principais tratados e declarações internacionais de direitos humanos, os Estados se comprometeram a garantir a igualdade e a não discriminação perante a lei e na prática, de qualquer cidadão. Comprometeram-se, ainda, especialmente, a assegurar que se revogue quaisquer leis que discriminem por motivo de sexo, bem como que se elimine o preconceito de gênero na administração da justiça.

Este mandato não tem sido cumprido, já que alguns países da região ainda mantêm leis que vulneram de maneira flagrante os direitos humanos das mulheres. Entre eles, merecem destaque os que mantêm em seus Códigos Penais normas que permitem ao estuprador ou abusador sexual livrar-se da pena por meio do casamento com a vítima ou, ainda, do casamento com terceiro.

Por um lado é certo que vários países da região reformularam em seus Códigos Penais a qualificação dos ilícitos relativos à violência sexual. Em muitos casos, em que eram considerados como “delitos contra a honra e os bons costumes”, passaram a ser qualificados como “delitos contra a liberdade sexual ou a integridade sexual”.

Algumas leis penais, por exemplo, ainda conservaram o adultério como crime, mantiveram termos relativos à honestidade da mulher para configuração de delitos, assim como disposições que eximem de pena o agressor por matrimônio da vítima com ele ou inclusive com um terceiro. Nesse sentido, examinemos, pois, alguns desses aspectos em relação a vários países, destacando avanços, rupturas ou retrocessos no tema, em um breve panorama legal da região.

Na Argentina, em 1998, por força da Lei 25.087, o Título de “Delitos contra a Honestidade” foi substituído por “Delitos contra a Integridade Sexual”. Embora tenha se eliminado a isenção da pena do agressor sexual por matrimônio subseqüente com a vítima, criou-se a figura do “avenimiento”.

O “avenimiento” é uma espécie de acordo entre vítima e violador, especialmente em casos de delitos sexuais, quando tenha havido uma relação afetiva prévia entre ambos (art. 132 do Código Penal). Assim, as vítimas maiores de 16 anos podem propor um acordo com o agressor, em cujo caso o Tribunal poderá excepcionalmente aceitar a proposta, desde que formulada livremente e em condições de plena igualdade, quando, levando em conta a especial e comprovada relação afetiva preexistente, considere que é um modo mais eqüitativo de harmonizar o conflito, com melhor resguardo para o interesse da vítima. O efeito do acordo é a extinção do processo penal ou a sua suspensão mediante período de prova. Essa possibilidade de se chegar a um acordo entre a vítima e o agressor, caso tenham se conhecido anteriormente, minimiza a importância da violência sexual por pessoas conhecidas da vítima e dificulta a punição do estupro no casamento.

Como avaliar o retorno de uma fúria causada por uma mulher estuprada por um homem, sem que o mesmo seja uma legítima defesa.

Quando entramos nesse mérito, temos que adentrar em uma situação mais complicada, devemos saber se estamos lidando com uma culpabilidade de ato ou uma culpabilidade de autor. No direito penal do fato analisa-se o fato praticado pelo autor, o enfoque já não será precipuamente o fato praticado pelo agente, mas sim o agente que cometeu o fato. Nesta última hipótese, a pessoa do agente que é levada em consideração, a sua particular “forma de ser”.

Na conceituação de Roxin,

“por direito penal do fato se entende uma regulação legal, em virtude da qual a punibilidade se vincula a uma ação concreta descrita tipicamente e a sanção representa somente a resposta ao fato individual, e não a toda condução de vida do autor ou aos perigos que no futuro se esperam do mesmo. Ao contrário, se tratará de um direito penal do autor quando a pena se vincule a personalidade do autor e seja a sua antisocialidade e o grau da mesma que determinem a sanção” ( ROXIN, Claus. Derecho penal – Parte general. Madrid: Civitas, 1997. Pag. 176-177)

Um direito penal exclusivamente do autor é um direito intolerável, porque não se julga, não se avalia aquilo o que o homem fez, mas sim o que ele é. Na precisa lição de Zaffaroni e Pierangeli,

“seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal do autor(culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ´ser´ de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolher ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação” ( ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal – Parte geral. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.119)

Avaliar a intensidade de uma reação logo em seguida à injusta provocação da vítima é uma tarefa árdua e quase impossível; explicar as nuanças que antecedem o ímpeto é trabalho igualmente difícil. O ímpeto se define como um movimento arrebatador, uma manifestação súbita e violenta, cuja reação se manifesta irrefletida e precipitadamente, sobretudo pela fúria que lhe é característica.

“E, por conseguinte, a reação em estado de ira exclui necessariamente o cálculo, o propósito, a reflexão presente, e todo outro processo psíquico incompatível com a noção de emoção estênica” (MANZINI, Vincenzo. Tratado de derecho penal. Vol. II. Tomo 2. Buenos Aires: Ediar Soc. Anón.Editores, 1948, p. 551)

Existe, pois, a possibilidade de extinção ou de suspensão do processo sob determinadas condições, negociação que se encontra associada ao conceito de reparação da honra.

Basileu Garcia, ao mencionar os elementos da inevitabilidade e moderação no exercício da legítima defesa, entende ser manifestamente exagerada a tese alemã de que qualquer bem pode ser defendido com a morte, se não há como evitá-lo, por consistir a vida no bem mais importante a ser protegido pela legítima defesa. (GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. São Paulo: Max Limonad, 1952, p. 312)

Eis a discordância da doutrina germânica, sobretudo hegeliana, sob a interpretação de Soler, no que concerne à prioridade do bem a ser legitimamente defendido:

“la vida personal es la expresión más simple y concreta de la totalidad de fines humanos” (SOLER, Sebastian. Derecho penal argentino. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1967, p. 355)

Na Bolívia, a Lei 1.768, de 1997, modificou a denominação do Código Penal de “Delito contra os bons costumes” para “Delitos contra a liberdade sexual”. Aumentou as penas para todos estes crimes e suprimiu o termo “honesta” em delitos como o estupro e o rapto impróprio (artigos 309, 311 e 314 do CP de 1972). Todavia, mantém-se a disposição que outorga impunidade ao agressor por matrimônio com a vítima, sempre que seja livremente por ela consentido, conforme a Lei 2.033, de 1999.

A referida lei de Proteção a Vítimas de Delitos contra a Liberdade Sexual estabelece, em seu artigo 8º, que o artigo 317 do Código Penal se modifica no sentido de que não haverá punição quando os imputados, não tendo impedimento algum, contraírem matrimônio com as vítimas, sempre que exista livre consentimento destas.

Definir a personalidade é descrever um indivíduo como ele é, quais as suas características básicas, sua história, suas tendências fundamentais, sua composição familiar, enfim, o seu modo de ser. Logo, o atributo essencial do ser humano envolve todo esse complexo de predicamentos que forma a personalidade. Essa constituição reúne o ser humano como um todo – corpo e alma – formando uma composição que servirá de base à estrutura interna do indivíduo.

“Corpo e alma agem, a ação de cada um reflete no outro e provoca uma reação conjunta. Os dois estão estritamente vinculados.” (OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal: o crime precipitado pela vítima. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 51)

O caráter, visto como o conceito que se tem da pessoa ante a sua conduta, está intimamente ligado aos seus atos (sobretudo criminosos), os quais são oriundos da sua propensão natural. Assim, sob uma moderna tendência ontológica e antropológica, firmou-se o conceito de delito, com referência à infração penal. Esse conceito passou a envolver não apenas o aspecto normativo, mas o ético-social, pois,

“em oposición crítica a la dirección teleológica, dirige la atención al aspecto personal y éticosocial del injusto: El delito es injusto no solo como lesión de bienes o intereses jurídicos, sino también, y em primer lugar, como “lesión del deber” y “expresión del carácter” (GALLAS, Wilhelm. La teoria del delito en su momento atual. Barcelona: Bosch, 1959, p. 10)

No Brasil, o estupro e o atentado violento ao pudor foram incluídos como crimes hediondos, regulados pela Lei 8.072/90 e Lei 8.930/94. Contudo, no Código Penal ainda se utiliza a expressão “mulher honesta” para caracterizar as vítimas dos delitos de ordem sexual tipificados como “rapto violento”, bem como a expressão “mulher virgem” para os crimes de sedução.

Lembramos, com o advento da Lei Maria da Penha, tudo isso foi revisto, dando mais segurança as mulheres casadas ou com convívio de companheirismo com o autor do fato.

Os ensinamentos do Dr. Fernando Capez nos vem a memória,

“Em princípio, todos os direitos são suscetíveis de legítima defesa, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra etc., bastando que esteja tutelado pela ordem jurídica. Dessa forma, o que se discute não é a possibilidade da legítima defesa da honra e sim a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa. Nessa medida, não poderá, por exemplo, o ofendido, em defesa da honra, matar o agressor, ante a manifesta ausência de moderação. No caso de adultério, nada justifica a supressão da vida do cônjuge adúltero, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero.” ( CAPEZ, Fernando. Execução Penal – Simplificado: 15ª edição, São Paulo, Saraiva,2013. p. 309-310).

No Equador, apesar das modificações aos delitos sexuais no Código Penal, a expressão “mulher honesta” permaneceu na disposição que se refere ao delito de estupro.

Mediante a Lei 105, de 1998, sobre Emendas ao Código Penal, foi derrogado o artigo 27, o qual, invocando a honra, eximia de responsabilidade penal o autor de homicídio ou lesões na pessoa que mantinha relação sexual qualificada de “ilegítima”. Contudo, o artigo 22 do Código Penal equatoriano estabelece, quanto à “legítima defesa da honra conjugal e do pudor”, que não há infração alguma quando um dos cônjuges mata, fere ou golpeia o outro, ou “ao correspondente amante”, no instante de 11 Art. 509.

Chama-se estupro a cópula com uma mulher honesta, empregando a sedução ou engano para alcançar seu consentimento.

Quando uma mulher comete os mesmos atos em defesa de seu pudor, gravemente ameaçado. Este artigo não se logrou modificar, em que pese a reforma do Código Penal, em 1998, ter descriminalizado o adultério, bem como incluído novos tipos penais de delitos sexuais e novos elementos na tipificação do delito de estupro. Não é uma norma que seja alegada de forma comum ou freqüente, entretanto, sua permanência no Código Penal traduz uma visão política (sexista) da idéia de honra, ademais de constituir uma porta aberta para que muitos delitos, especialmente contra as mulheres, fiquem na impunidade.

Em El Salvador, com a promulgação do Decreto Legislativo 345, de 1998, foram revogados tipos penais obsoletos como o adultério.

Na Guatemala, permanece o dispositivo legal que permite ao violador livrar-se da pena por meio do casamento com a vítima, conforme artigo 200 do Código Penal vigente, sempre que a vítima seja maior de 12 anos.

Em Honduras, entre as reformas que se operaram no Código Penal, derrogou-se o item que eximia de responsabilidade o homem que, ao surpreender sua cônjuge ou convivente em flagrante união carnal com outro, matava ou feria qualquer um deles. De acordo com o art. 122, agora, será sancionado de 4 a 6 anos quem, no ato de surpreender seu cônjuge ou pessoa com quem viva maritalmente em flagrante união carnal com outro, matar ou ferir qualquer um deles ou os dois, sempre que o culpado tiver bons antecedentes e que a oportunidade para cometer o delito não tenha sido provocada ou simplesmente facilitada mediante conhecimento da infidelidade conjugal ou marital.

Essa disposição é aplicável, em igualdade de circunstâncias aos pais, relativamente aos que abusarem sexualmente de suas filhas menores de 21 anos, enquanto elas viverem na casa paterna.

Entretanto, o autor ficará isento de responsabilidade se as lesões causadas forem algumas das compreendidas no artigo 138 (lesões culposas). A violação sexual converteu-se em um delito de ordem pública. Apesar da tendência a incrementar as penas para todos os delitos, a pena atribuída aos referidos delitos não foi modificada, permanecendo vigente uma pena de 4 a 6 anos para o homicídio em razão de adultério, muito inferior à aplicada ao homicídio simples, que é de 10 a 16 anos. Isso reflete, de alguma maneira, uma cultura que favorece a pessoa que, no ato de surpreender o cônjuge ou a pessoa com que viva maritalmente em flagrante união carnal com outro, mata ou fere a qualquer um deles ou os dois.

No México, o Código Penal Federal trata dos crimes sexuais em seu Título XV “Delitos contra a liberdade e o normal desenvolvimento psicossocial”. Entre estes, inclui-se a punição de crimes como hostigamiento sexual, abuso sexual, estupro e violación (Capítulo I, artigos 260 a 266), bem como incesto (Capítulo III, artigo 272) e adultério (Capítulo IV, artigos 273 a 276).

Brilhantemente Marcus define está posição:

Castiga con pena de hasta dos años de prisión y la privación de los derechos civiles, los culpables consumado de adulterio cometido en el domicilio conyugal o el escándalo. Será llevado por el cónyuge ofendido solicitado, y si este perdón al agresor deja fiscalía a favor de los responsables.(MARCUS, Sharon. Cuerpos en lucha, palabras en lucha: una teoría y una política para la prevención de la violación. En: Revista Debate Feminista, vol. 26. Metis Productos Culturales. México, 2002, pag 62)

Na Nicarágua, por ocasião da reforma do Código Penal, embora tenha sido extinta a isenção de responsabilidade penal em caso de matrimônio da vítima com o agressor de delitos sexuais, ainda subsiste a referida isenção em relação à figura do estupro. Nessa hipótese, o artigo 196 do Código Penal estabelece que o dano é ressarcido quando a vítima outorga o perdão ao agressor ou no caso em que aceite se casar com o mesmo.

No Panamá, são extintos o processo ou a pena em alguns delitos sexuais quando o autor se casa com a vítima, com produção de efeitos em relação a todos os acusados.

Diz o artigo 225 do Código Penal:

“ARTICULO 225. En los casos de los Artículos 219 y 222, quedará extinguida la acción o la pena, según sea el caso, cuando el autor contraiga matrimonio con la ofendida. Los efectos de la extinción alcanzan a todos los partícipes.” (disponível em www.latinamericanstudies.org/panama/codigo-penal-panama.pdf, acesso em 22 de maio de 2013)

No Paraguai, o Código Penal, reformulado pela Lei 1.160/97, inclui a tipificação de delitos sexuais no Título I dos “Fatos puníveis contra a pessoa”. Sob tal título, os delitos sexuais estão tratados ainda dentro do Capítulo V sobre “Fatos puníveis contra a autonomia sexual” (coação sexual, tráfico de pessoas, abuso sexual em pessoas indefesas ou internadas, atos exibicionistas e assédio sexual) e dentro do Capítulo VI sobre “Fatos puníveis contra menores” (abuso sexual de crianças, de pessoas sob tutela, estupro, atos homossexuais com menores, proxenetismo e rufianismo, incluindo-se neste capítulo também o maltrato de menores).

No Peru, foi substituída, em 1991, a denominação de “delitos contra a honra e os bons costumes” por “delitos contra a liberdade sexual”. O Código Penal de 1991 contemplou modificações importantes no tratamento dos delitos de violência sexual (proteção da liberdade sexual e maior precisão na descrição dos tipos penais), mas subsistiam até então outras disposições discriminatórias.

Em 1996, o Comitê de Direitos Humanos (Comitê que monitora o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) recomendou modificações em atenção à informação fornecida por uma organização não-governamental peruana.

O CLADEM-Peru formulou uma proposta integrada de normas sobre violência sexual. A congressista Beatriz Merino promoveu modificações: primeiro, sobre a norma que eximia de pena o estuprador por subseqüente matrimônio com a vítima (modificação parcial sancionada pela Lei 26.770, de 1997) e, depois, a relativa à ação publica, que constituía a mudança efetiva demandada pelas organizações de mulheres. A Lei 27.115, de 1999, estabeleceu ação penal pública para os delitos contra a liberdade sexual.

Em Porto Rico, a Lei n. 6, de 1979, emendou a Regra 154 de Processo Criminal, proibindo, em qualquer procedimento por delito de violência sexual ou por sua tentativa, que se admita a produção de prova acerca da conduta prévia ou da história sexual da vítima ou, ainda, acerca de opinião ou reputação sobre essa conduta ou história sexual para atacar sua credibilidade ou para estabelecer seu consentimento, a menos que existam circunstâncias especiais que indiquem que tal prova seja relevante.

Na República Dominicana, o Código Penal de 1998, é bastante severo de uma maneira geral, e mais especificamente em relação aos delitos de natureza sexual, inclusive quando praticados no âmbito das relações familiares.

Na Seção 4a, sobre “Atentados à integridade física ou psíquica das pessoas”, estabelece que em nenhum dos casos previstos no Parágrafo I das “Agressões Sexuais” poder-se-á acolher circunstâncias atenuantes em proveito do agressor ou agressora. (www.oas.org/juridico/mla/sp/dom/sp-dom-int-text-cp.pdf)

No Uruguai, o artigo 116 do Código Penal vigente conserva a possibilidade de extinção de certos delitos ou penas por meio do matrimônio do agressor com a vítima, por exemplo, de violación, atentado violento ao pudor, estupro e rapto. Assim, a honra, conceito com forte carga de moralidade, tem estado presente e, portanto, tem sido também protegida sob várias disposições estabelecidas nos “Delitos contra os bons costumes e a ordem da família”, que incluem supressão do estado civil, violación, rapto, atentado violento ao pudor, estupro, corrupção, incesto, aborto. A honra, inclusive, tem sido protegida até mesmo em casos de homicídio e lesões.

Nesse sentido, vale a pena trazer à análise algumas situações que demonstram a discriminação e violência de gênero institucional reproduzida na interpretação e aplicação da lei nos referidos crimes de violência contra a mulher.

Ao analisar o sistema legal e judicial argentino e as normas que definem a situação jurídica das mulheres, entendemos que a maioria dos sistemas jurídicos não reconhece os estereótipos presentes na prática jurídica que marcam seu funcionamento, perdendo rigidez e consistência frente aos comportamentos lesivos no espaço familiar.

Este tipo de conduta, quando é penalizada, tende a ser justificada desde considerações que escondem estereótipos de gênero e idéias ancestrais de família e fidelidade.

Nessa linha jurisprudência argentina relacionada com os delitos de homicídio e lesões pessoais agravados pelo vínculo oferece exemplos eloqüentes. Nos argumentos de juizes(as), o privado tende a ser o secreto, a violência privada deve ser tratada com menor severidade. O ciúme, o desamor ou o descumprimento dos deveres conjugais oferecem razões capazes de justificar uma conduta agressiva, e por isso levam à uma atenuação das penas. São vários os casos decididos por tribunais nesse sentido. Em 1989, a Suprema Corte da Província de Buenos Aires, segundo as autoras, em um caso em que deveria decidir se um homem que havia matado sua esposa tinha atuado em estado de emoção violenta, expressou que entre as razões que servem de fundamento à “escusa” da emoção violenta encontram-se os “motivos éticos” e os “direitos conculcados”.

A Corte afirma que “ambos prestam utilidade ao juiz em sua difícil tarefa valorativa” e agrega outra que é a de atender a direitos que o ordenamento jurídico tutela e que se hão visto afetados pelo estímulo determinante da vontade homicida, tratando-se tal estímulo, no mais das vezes, de uma provocação por parte da vítima.

Neste caso, a Corte, ao examinar as circunstâncias excusáveis, afirma: Nos autos, as circunstâncias de fato que se devem computar para a valoração que conduz à escusa são o abandono da esposa do lar conjugal levando o filho de ambos, conduta que causa ao marido um dano material e espiritual, colocando-o surpreendentemente em uma situação anormal de difícil superação e um motivo do abandono, que a Câmara tem por certo e válido como uma das causas da separação.

Portanto, a Corte diminuiu a pena do homicida por haver cometido seu delito levado por motivações de índole ética, condicionadas pelas circunstâncias anteriormente mencionadas, em particular por haver se encontrado durante o fato em um estado de intensa comoção afetiva.

Em outro caso similar na Argentina, o juiz reduziu a pena do acusado de matar sua esposa alegando, quando a grave e inusitada infração por parte da vítima, de seus deveres jurídicos ou morais emergentes do vínculo que a liga com o autor do delito, constitui o único motivo da reação deste.

A conduta da vítima opera como uma circunstância extraordinária de atenuação ao descartar a idéia de uma peculiar perversidade no homicídio e de um grau maior de periculosidade.

Da mesma forma, outro juiz, em 1988, considerou que configuram circunstâncias capazes de atenuar a pena, os desvelos e preocupações e mortificação do imputado ao comprovar a conduta equívoca de sua cônjuge, o drama vivencial por qual atravessou e que gerou a crise no dia do fato em que recebe a confirmação dos próprios lábios de sua cônjuge, da existência de outro homem em sua vida e seu propósito de abandonar a vida em comum.

Em todos estes casos, a justiça argentina demonstra o caráter “especial” dos delitos cometidos no interior da família. Para as autoras, o fato é mais alarmante levando em conta não somente a realidade sociológica da Argentina, mas também da maioria dos países do mundo, a qual demonstra que “mais de 90% dos casos de violência intrafamiliar se cometem contra mulheres”. Daí a extrema compreensão e o discutível favorecimento que manifesta a justiça frente a quem agride seus familiares, gerando uma equívoca mensagem de impunidade que incide na segurança das mulheres no lar.

Em 2003, uma notícia publicada no mais importante jornal argentino, anunciou a diminuição de pena de um condenado por haver matado sua mulher quando ela pediu o divórcio. Os juizes consideraram que o anúncio da mulher chocou o marido, e por isso a diminuição da pena. Embora tenha sido punido com 22 anos de prisão, para este crime, segundo as leis de Necochea, caberia a prisão perpétua.

O marido, em maio de 2001, após uma discussão com sua esposa, quando ela aos gritos anunciou “Quero o divórcio!!!!”, desferiu-lhe um soco no rosto que a deixou inconsciente no chão; depois a asfixiou com uma toalha e um vestido, colocou-a em um baú e, no seu carro, levou-a a um bosque e a queimou, ainda viva. Nesse caso foi alegada a circunstância extraordinária de atenuação prevista no Código Penal como emoção violenta e o tribunal entendeu que a estrutura de personalidade distorcida, que o fez atuar em destruição do que mais apreciava, não pode ser valorada da mesma forma como se fosse uma pessoa sem esses traços, bem como que o homicida confesso tinha impossibilidade para aceitar a desagregação do grupo familiar.

COMO O BRASIL CORRESPONDE AO TEMA

No Brasil, o bem jurídico tutelado, como entendem diversos autores, é o pudor, as regras sociais estabelecidas em nome da moral e dos bons costumes. De outra parte, alguns dos tipos penais da indigitada seção do código acrescem à conduta do agente expressões discriminatórias referentes a características da vítima.

São os chamados elementos normativos do tipo, circunstâncias cuja demonstração é indispensável para a configuração do crime.

Neste caldo da cultura jurídica discriminatória, chama a atenção a absolvição de homens que ferem e matam suas esposas, companheiras ou namoradas ou mesmo ex-esposas, ex-companheiras e ex-namoradas,  agindo em “legítima defesa da honra”.

O Código Penal brasileiro alberga a figura da legítima defesa enquanto uma excludente de ilicitude ou antijuridicidade.

Em seu artigo 25 estabelece:

“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Para que se configure a legítima defesa importa que a reação não seja exagerada e desproporcional e seja imediata à ameaça iminente ou agressão atual a direito próprio ou de outra pessoa.

A doutrina jurídica, de forma consensual, entende que todo e qualquer bem jurídico pode ser defendido legitimamente, incluindo-se a honra. Não há consenso, entretanto, em relação ao uso desta figura nos casos em que o homicídio ou a agressão são praticados para defender suposta honra por parte do cônjuge (concubino/companheiro/namorado) traído. Importa ressaltar que são poucos os casos em que a mulher faz uso de tal alegação, mesmo porque, são poucos os casos em que, traída, a mulher reage com tal violência.

Assim sendo, a figura da “legítima defesa da honra” consiste em tese jurídica que visa tornar impune a prática de maridos, irmãos, pais ou ex-companheiros e namorados que matam ou agridem suas esposas, irmãs, filhas, ex-mulheres e namoradas fundada ou “justificada” na defesa da honra da família ou da honra conjugal. Entretanto, frise-se que, no entender de grande parte da doutrina e jurisprudência, não há Legislação e jurisprudência da América Latina, honra conjugal ou da família a ser protegida, na medida em que a honra é atributo próprio e personalíssimo, referente a um indivíduo e não a dois ou mais indivíduos.

No final dos anos 70 e início de 80, o movimento de mulheres brasileiro mobilizou-se contra a tradicional invocação da tese da “legítima defesa da honra” nos crimes passionais, criando o slogan que se tornou famoso em todo o país: “Quem ama não mata”.

Entretanto, nestes últimos anos, pouco se tem dado atenção ao tema, não se podendo avaliar em que medida, ainda hoje, esta tese tem sido invocada e acolhida pelo Poder Judiciário brasileiro. Com tal preocupação, realizamos uma primeira aproximação do objeto a ser estudado: as decisões dos tribunais brasileiros sobre “legítima defesa da honra”.

Este esforço inicial já nos permitiu colher dados significativos sobre o tema. Constatamos que, ainda hoje, não é pacífica a jurisprudência a respeito, havendo acórdãos, em menor número, que admitem a “legítima defesa da honra”.

Esta tese, portanto, ainda nestas duas últimas décadas, continua a ser invocada, às vezes com sucesso, em todas as regiões do país. Importa ressaltar que os crimes dolosos contra a vida, por força de dispositivo constitucional (art. 5º, inc. XXXVIII, CF), são julgados pelo Tribunal do Júri, composto por 7 (sete) jurados leigos.

A comunidade internacional reunida na Organização das Nações Unidas (ONU) já se manifestou, por mais de uma vez sua não aceitação e mesmo repúdio às práticas culturais desrespeitadoras dos direitos humanos das mulheres.

A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, 1995, em sua Plataforma de Ação, item 224, estabeleceu que a violência contra as mulheres constitui ao mesmo tempo uma violação aos seus direitos humanos e liberdades fundamentais e um óbice e impedimento a que desfrute deste direito. Ressalta a violência contra as mulheres derivada dos preconceitos culturais e declara que é preciso proibir e eliminar todo aspecto nocivo de certas práticas tradicionais, habituais ou modernas, que violam os direitos das mulheres.

Um acórdão brasileiro refere-se ao crime de lesão corporal e, na primeira e segunda instância, entendeu-se que o fato do réu ter dado alguns socos na mulher representou moderada repulsa, explicável pela violenta emoção do acusado.

Em toda a América Latina, que apresenta uma tradição jurídica marcada pelo positivismo formalista de Hans Kelsen, o aparente esforço de humanização é extremamente insidioso. In casu, serve para justificar e louvar o ato que tira a vida de mulheres. Importa registrar que as teorias críticas ao positivismo jurídico formalista só propõem um alargamento/expansão interpretativa da lei e, por vezes, mesmo uma decisão contrária a ela, nos casos em que, se aplicada, exegeticamente, vier a propiciar decisões injustas e absurdas.

Importa esclarecer que as várias correntes do pensamento jurídico deste século, incluindo o positivismo em suas várias manifestações, representam esforços no sentido de melhor resguardar os direitos das pessoas. Mesmo que, por vezes, isto se dê de forma explícita ou implícita. A grande crítica ao positivismo formalista é que ele é insuficiente para tal.

Assim sendo, transcender-se o direito positivo, captando-se valores sociais e culturais não constituídos pelo ordenamento jurídico, seria apenas legítimo nos casos em que estes valores servissem para melhor e maior garantia dos direitos das pessoas. Fica evidente que é a desvalorização da mulher, de sua vida, que está subjacente a decisões dessa ordem.

Princípios e normas de proteção aos direitos humanos estabelecidos pela ONU e pela OEA, em vários de seus documentos, servem de embasamento à firme rejeição de posturas como a desta decisão.

O artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece que “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”; o artigo V, letra a da Convenção da Mulher que estabelece que os Estados-Parte tomarão todas as medidas apropriadas para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres. Fere, ainda, o artigo I da Convenção de Belém do Pará que preceitua:

“Para o efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause a morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.” (Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979 e ratificada pelo Brasil em 01 de fevereiro de 1984)

CONCLUSÃO

Levando em consideração o material de pesquisa apresentado, concluímos que qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, para repelir agressão injusta, sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais e impessoais. Importa, evidentemente, analisar, nesse caso, a necessidade, moderação e proporcionalidade dos meios utilizados na defesa desses bens.

A defesa “a direito seu ou de outrem” abarca a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico. O requisito da moderação da defesa não exclui a possibilidade de defesa de qualquer bem jurídico, apenas exigindo uma certa proporcionalidade entre a ação defensiva e a agressiva, quando tal seja possível, isto é, que o defensor deve utilizar o meio menos lesivo que tiver ao seu alcance.

Assim, qualquer bem jurídico pode ser defendido, contanto que a defesa não exceda os limites da necessidade e da moderação. Até mesmo o direito de preferência no estacionamento pode ser defendido legitimamente, mas, é claro, não matando o condutor do outro veículo, e sim paralisando o seu veículo de forma a impedir-lhe de estacionar. Também o direito a repousar em silêncio pode ser defendido contra o bêbado barulhento, mas com um baldaço d’água.

Quando o estudo dos termos citados pelo brilhante doutrinador Eugênio Raúl Zaffaroni, vimos que historicamente, a legítima defesa surgiu unida aos delitos de homicídio e lesões, e assim permanece nos códigos antigos, mas em todas as legislações contemporâneas é aceita a possibilidade de justificar a defesa de qualquer bem jurídico, mesmo que ainda não se encontre penalmente tutelado, ainda mais no presente estudo que o foco ficou na América Latina.

Embora, em sua origem, somente se pudesse falar em legítima defesa quando em jogo a vida humana, modernamente se tem disposto que qualquer direito pode ser preservado pela discriminante em apreço. Protegem-se a vida, a integridade física, o patrimônio, a honra, ou seja, os bens materiais ou morais.

Controvertida é a possibilidade da legítima defesa da honra. Inegavelmente, o sentido da dignidade pessoal, a boa fama, a honra, enfim, são direitos que podem ser defendidos, mas a repulsa do agredido há de ater-se sempre aos limites impostos. Na jurisprudência tem-se admitido, aliás, como ato de legítima defesa, a imediata reação física contra injúria verbal, desde que não excessiva a reação. Quanto às lesões corporais ou homicídio praticado pelo sujeito que surpreende o cônjuge em flagrante adultério, há também decisões em que se reconhece a existência da descriminante. A honra, porém, é atributo pessoal ou personalíssimo, não se deslocando para o corpo de terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero; assim a maioria da doutrina e jurisprudência, é no sentido de não existir a legítima defesa nessas hipóteses.

Sabemos que em regra, quando falamos de direito Penal Internacional, apenas os bens jurídicos mais importantes, relevantes e essenciais são tipificados e protegidos pelo Direito Penal. Porém, a depender do caso concreto, é possível imaginarmos uma leve agressão física, que consistiria em uma lesão corporal de natureza leve. Deve-se analisar o caso concreto e sempre ter em mente os requisitos da legítima defesa, não havendo óbice, portanto, para que se aja em legítima defesa da honra, uma vez que a atuação se dê dentro dos limites estabelecidos pelo Código Penal daquele Estado.

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ARTIGOS DA INTERNET

www.oas.org/juridico/mla/sp/dom/sp-dom-int-text-cp.pdf

www.latinamericanstudies.org/panama/codigo-penal-panama.pdf

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