BREVE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO SOCIAL DO LATINO AMERICANO EM FACE DE SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA

INTRODUÇÃO

 

 

A rejeição das interpretações tradicionais das Américas quanto os dogmas marxistas que prevaleciam nos anos 60 e busca um corpo teórico novo, capaz de dar conta das complexidades dos povos e do processo civilizatório nas Américas, foi solidificada com a tese do professor Darcy Ribeiro, na obra intitulada “As Américas e a civilização”. Sua posição foi notável. Foi uma novidade que surgiu na conceituação então proposta por ele, dividindo os povos americanos em três – Povos-Testemunho, sobreviventes dos grandes impérios pré-colombianos; Povos Novos, produto da mistura racial e cultural entre colonizador, nativo e escravo; e Povos Transplantados, que mantêm as matrizes racial e cultural da metrópole. À essa nova conceituação Darcy alia o conceito de espoliação e explica a cisão entre países ricos e países pobres. Como antropólogo engajado, Darcy Ribeiro não se contenta, entretanto, em entender processos e identificar problemas. Ele também aponta possíveis caminhos para escapar do subdesenvolvimento. Por sua vez, Jorge Abelardo Ramos que ao falecer, estava envolvido na obra “Historia de la Nación Latinoamericana”  acabou fazendo com que sua principal publicação se transformasse num livro de culto para a jovem intelectualidade de esquerda nas décadas de sessenta e setenta. “Al describir la balcanización del continente entre los siglos XIX y XX Jorge Abelardo Ramos inscribió una nueva narrativa en el pensamiento latinoamericano: por primera vez las categorías marxistas de interpretación de la historia se enlazaron con la perspectiva de Patria Grande”. Esta obra teve algumas páginas corrigidas por Arturo Jauretche  e o líder tupamaro Raúl Sendic escondia o volume  debaixo “de su catre cuando fue capturado; sus teorías fueron estudiadas con pasión por el intelectual uruguayo Alberto Methol Ferré. Hoy, constituye el más innovador aporte del revisionismo histórico en su tarea de derribar los mitos instaurados por los discursos historiográficos hegemónicos.” Com base e fundamentação nestes dois ícones sul-americanos, que se equivalem em importância mundial, é que se apresenta o estudo a seguir.

 

CAPÍTULO I – PROCESSO HISTÓRICO DA AMÉRICA LATINA

 

Grande parte do território da península ibérica, região geográfica da Europa onde atualmente possui domínio político dos países de Portugal e Espanha, sofreu com a ocupação de mouros mulçumanos a partir do século VIII. Após padecer aproximadamente setecentos anos sob o domínio árabe e com o intuito de expulsar este povo de suas terras, os ibéricos travaram contra estes a Guerra da Reconquista, conflito que por fim deu origem a formação dos Estados Nacionais de Portugal e Espanha. “Em 1194, em reconhecimento a uma vitória contra os mouros na Guerra da Reconquista, o nobre francês Henrique de Borgonha recebeu do rei de Castela o condado de Portucalense e a mão da princesa Teresa em casamento.” (PETTA; OJEDA, 1999, p. 50)

Desse modo, após sair vitorioso no conflito para a expulsão dos mouros mulçumanos de seu território, Portugal foi o primeiro país a se firmar como um Estado independente na Península Ibérica, em um primeiro momento sob o reinado de representantes da dinastia de Borgonha, embora que o reconhecimento deste fato pelo rei de Castela não foi algo fácil a acontecer. Enquanto isto, a Espanha precisaria de mais tempo para sair vitoriosa na batalha para a reconquista de suas terras cristãs e dar inicio ao processo de unificação do reino sob o domínio da dinastia dos reis católicos de Castela a Aragão.

 

Ocupada desde o século VIII pelos árabes, a Península viveu a formação de seus Estados nacionais – Portugal e Espanha – sob o signo da Guerra da Reconquista, isto é, a guerra que os ibéricos travaram para expulsar os mouros de suas terras. Portugal firmou-se como Estado independente já no século XII, mas os reinos espanhóis somente conseguiram unificar-se no final do século XV, quando os árabes foram definitivamente expulsos, o que ocorreu somente em 1492. A monarquia portuguesa teve, ainda, a particularidade de se configurar como o primeiro Estado Moderno, aquele cuja forma de governo aliava os interesses do rei e da burguesia mercantil. (PETTA; OJEDA, 1999, p. 50)

 

A presença maciça de mulçumanos em suas terras por mais de setecentos anos não foi o único infortúnio sofrido pelos espanhóis. Logo após a queda do Império Romano, imigrantes de fé judia também passaram a viver no mesmo território onde se consagraram como importantes artesãos, comerciantes e banqueiros, atividades econômicas que fortaleciam a economia local e posicionou vantajosamente a situação financeira dos judeus, embora considerados como uma minoria étnica e religiosa. Naquele tempo também não se falava em um povo espanhol como membros pertencente a uma nação, pois o controle político do território em questão encontrava-se fragmentado depois que, aos poucos, a península ibérica foi sendo novamente recuperada da presença e domínio dos mulçumanos.

1.2 A Europa caótica e dividida

 

O fato de o território ibérico na época estar divido em reinos e feudos independentes e autônomos entre si contribuiu para a ocorrência de um grande número de crimes, outro problema social que assolava a região, já que não havia entre esses territórios autônomos – reinos ou feudos – um sistema organizado para evitar a ocorrência de pilhagem de mercadorias nas estradas, por exemplo, e por conseqüência penalizar os criminosos. A alta taxa de criminalidade somada à presença em massa de mulçumanos e judeus, que mantinham para si o domínio do controle político e econômico da região, três grandes religiões distintas a dividir o mesmo espaço, a pluralidade de idiomas e dialetos e a falta de um governo centralizado resultou na ausência de um conjunto de características próprias para a formação de uma nação puramente espanhola e unificada.

 

Los reinados y baronias que componían la España del siglo XV, se habían ido creando en la Reconquista contra los musulmanes, sobre cada pedazo de tierra conquistada. Aquellos fragmentos étnicos que en el curso de los siglos llegarían a constituirse en el pueblo español, libraron con los moros una guerra de inigualable crueldad donde el derecho a la tierra y la fe jugaron el papel principal. […] Al mosaico racial y cultural de España, debía  agregarse la presencia de los judíos. Poderoso grupo étnico-religioso, este pueblo-clase, según la definición de Abraham León, era actor dominante en la ciudad medieval, donde florecía el capital comercial. Análogamente, los árabes constituían la porción más laboriosa y técnicamente eficaz de su economía agrícola. (RAMOS, 2004 p. 24-25)

 

A situação caótica em que a Espanha encontrava-se no século XV ganhou a primeira possibilidade de mudança com o casamento de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, representantes das duas principais dinastias da península ibérica. Embora o processo de centralização do poder do governo monárquico da Espanha – absolutismo – só ocorreu efetivamente com Carlos V, neto de Fernando e Isabel, o mérito desta conquista se deve aos reis católicos. Pois foi em 1492, após quase oitocentos anos, que se concluiu a expulsão dos mulçumanos com a recuperação de Granada, último reduto árabe em solo espanhol, graças à liderança militar de Fernando e Isabel e o apoio recebido da Igreja, e que por esse motivo ficaram conhecidos como reis Católicos. A Guerra da Reconquista foi então o marco da formação dos reinos espanhol e português.

Os nobres do reino de Castela foram manifestamente contrários a idéia da unificação espanhola, assim como também não aceitaram a independência do condado de Portucalense anos antes, e a forma que os reis católicos encontraram para dar continuidade ao processo de centralização do poder foi lutar em nome da fé. Após a expulsão dos mouros, os reis decretaram a expulsão dos judeus, embora o próprio rei fosse de origem judia. Mas a maior preocupação não era com a genealogia do rei, mas com os prejuízos financeiros que o reino amargaria com a expulsão dos judeus, responsáveis pelo fomento econômico do reino.

1.3 A chegada dos Ibéricos na América

 

Os prejuízos econômicos e sociais acarretados pela expulsão dos comerciantes e banqueiros judeus e o esgotamento do tesouro real devido à guerra de reconquista, influenciou os reis católicos a desenvolver o comércio local com especiarias e outros artigos provenientes do Oriente. Deste modo, o ano de 1492, não foi somente o marco da formação do reino da Espanha e nem só representou a vitória dos espanhóis católicos em face das diversidades religiosas, étnicas e culturais dos judeus e mulçumanos. Foi também o ano da expansão do comércio marítimo espanhol, através do ciclo oriental das navegações.

 

A Espanha vivia o tempo da reconquista. 1492 não foi só o ano do descobrimento da América, o novo mundo nascido do equívoco de conseqüências grandiosas. Foi também o ano da recuperação de Granada. Fernando de Aragão e Isabel de Castela, superando com o casamento a perda de seus domínios, tomaram em começos de 1492 o último reduto dos árabes em solo espanhol. Custara quase oito séculos recobrar o que se havia perdido em sete anos, e a guerra de reconquista esgotara o tesouro real. Mas, esta era uma guerra santa, a guerra cristã contra o Islã, e não é por acaso, além disso, que neste mesmo ano de 1492 cento e cinquenta mil judeus declarados foram expulsos do país. A Espanha adquiria realidade como nação; levantando espadas cujas empunhaduras desenhavam o sinal da cruz. A rainha Isabel fez-se madrinha da Santa Inquisição. A façanha do descobrimento da América não podia explicar-se sem a tradição militar de guerra de cruzadas que imperava na Castela medieval, e a Igreja não se fez de rogada para dar caráter sagrado à conquista de terras incógnitas do outro lado do mar. O papa Alexandre VI, que era espanhol, converteu a rainha Isabel em dona e senhora do Novo Mundo. A expansão do reino de Castela ampliava o reino de Deus sobre a Terra. (GALEANO, 1978, p. 10-11)

 

A busca de uma nova rota marítima para o comércio com o cobiçadíssimo mercado oriental de especiarias através do oceano atlântico trouxe vantagens e gerou riquezas a outros países além de Portugal e Espanha. A Holanda, Inglaterra e França também possuem acesso fácil ao oceano atlântico e auxiliaram a protagonizar a expansão marítima em busca de produtos e especiarias orientais que proporcionavam lucros exorbitantes aos interessados.[1]

E foi com o intuito de encontrar uma nova rota marítima para as Índias, que o navegante genovês Cristóvão Colombo, a serviço da coroa espanhola, acabou por atingir o solo do continente americano em 12 de outubro de 1492, embora que, quando morreu poucos anos depois, ainda acreditava ter chegado à famosa ilha de Cipango, na Ásia. O genovês Cristóvão Colombo não foi somente o responsável de por fim a geografia medieval ao descobrir – se este realmente for o termo correto a ser empregado – um mundo novo. Foi responsável também pela principal e mais importante conquista abraçada pelos reis espanhóis em 1492. O descobrimento da América Latina consolidou a jovem monarquia espanhola e a brindou com uma formidável acumulação de capital e riquezas, graças aos metais preciosos e matérias primas vindos do outro lado do oceano atlântico.[2]

Ao descobrir um novo mundo além do oceano atlântico em 1492, a Espanha deu inicio a uma nova etapa de sua expansão marítima – o ciclo ocidental das navegações – marco histórico que deu origem ao processo de conquista das novas terras. Mas não fez isto sozinho, pois, em nove de março de 1500, uma frota de embarcações portuguesas comandadas por Pedro Álvares Cabral, com o mesmo pretexto de chegar às Índias Orientais, aportou em terras no hemisfério sul do continente, e que atualmente conhecemos como a República Federativa do Brasil, maior país em extensão territorial da América Latina.

As terras encontradas além do atlântico foram alvo de novas disputas políticas entre os reinos ibéricos, o que resultou na assinatura de ambos os países do Tratado de Tordesilhas, dividindo entre castelhanos e lusitanos as terras do mundo novo. Ainda assim os conquistadores ibéricos tiveram que lidar contra a cobiça de outras metrópoles européias.[3]

 

O Tratado de Tordesilhas, de 1494, permitiu a Portugal ocupar, territórios americanos além da linha divisória traçada pelo Papa, e em 1530 Martim Afonso de Sousa fundou as primeiras povoações portuguesas no Brasil, expulsando os franceses intrusos. Já então os espanhóis, atravessando selvas infernais e desertos infinitos, tinham avançado muito no processo de exploração e conquista. (GALEANO, 1978, p. 13)

A expansão das rotas marítimas para o desenvolvimento da economia das metrópoles européias agradou, além dos monarcas e burgueses, à Igreja Católica. O novo mundo não significava apenas uma fonte de riquezas inesgotáveis para as coroas mercantilistas de Portugal e Espanha. Teve significativa importância também para o clero, com a oportunidade de alastrar a influência e cultura religiosa do catolicismo sobre o mundo recém descoberto e subjugar às suas crendices os nativos que aqui habitavam desde sempre.

Ao desbravar o território do mundo recém descoberto pelo homem branco, espanhóis e portugueses não encontraram aqui nações constituídas como havia há muito tempo no velho mundo europeu, mas na maior parte do território encontraram incontáveis grupos de humanos de pele vermelha com cultura, organização social, técnicas de produção, língua e crenças com profundas diferenças se comparadas umas às outras. A maior parte deles vivia organizada em tribos, como é o caso dos nativos que habitaram no passado o território brasileiro e o norte americano. Mas havia também imensos impérios, como é o caso dos Incas, Maias e Astecas. Infelizmente, a cobiça mercantilista dos conquistadores europeus não estava interessada na rica diversidade étnica e cultural que aqui encontraram.[4]

 

1.4 – Nasce um continente esmagando a história.

 

A história, que começou com a escrita, foi produzida pelos vencedores, narrando os feitos e a superioridade destes sobre os vencidos.

A ganância dos monarcas e burgueses e os interesses da Igreja Católica fizeram com que os nativos fossem considerados um povo sem história, sem cultura e até mesmo sem dignidade, como se não houvesse passado para estas pessoas. O sentimento de superioridade dos adelantados e a cobiça pelas riquezas naturais encontradas aqui, e que não lhes pertencia, diga-se de passagem, exterminaram não só o ouro, a prata e outras matérias-primas aqui encontradas. Infelizmente dizimaram também povos e culturas inteiras e grande parte do processo histórico dos povos originários destas terras.

Não foi necessário muito empenho dos conquistadores espanhóis e portugueses com lanças e espadas, ou com a recém inventada pólvora, para exterminar os povos nativos daqui. As bactérias e vírus que atravessavam o oceano junto com os navegadores se encarregavam do papel com maior eficácia. Os nativos não possuíam imunidade suficiente para resistir às doenças propagadas pelos europeus e, com isso, acredita-se que mais da metade dos povos que aqui viviam morreram logo no primeiro contato com os adelantados, vítimas de doenças venéreas, pulmonares, entre outras. Os nativos, livres até então destas pestes humanas, acreditavam ser o resultado do castigo dos deuses, culparam o sobrenatural.

 

As bactérias e os vírus foram os aliados mais eficazes. Os europeus traziam consigo, como pragas bíblicas, a varíola e o tétano, várias doenças pulmonares, intestinais e venéreas, o tracoma, o tifo, a lepra, a febre amarela, as cáries que apodreciam as bocas. A varíola foi a primeira a aparecer. Não seria um castigo sobrenatural aquela epidemia desconhecida e repugnante que aumentava a febre e descompunha as carnes? “Já se foram a mexer em Tlaxcala. Então se difundiu a epidemia: tosse, grãos ardentes, que queimam”, diz uma testemunha indígena, e outro: “Muitos morreram com a pegajosa, compacta, dura doença de grãos”. Os índios morriam como moscas; seus organismos não opunham defesas contra doenças novas. E os que sobreviviam ficavam debilitados e inúteis. O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro calcula que mais da metade da população aborígene da América, Austrália e ilhas oceânicas morreu logo no primeiro contato com os homens brancos. (GALEANO, 1978, p. 14-15)

 

Da mesma forma que os espanhóis e portugueses ficaram deslumbrados diante do que encontraram nas terras recém descobertas, os nativos daqui também se impressionaram com o que viram chegar pelo mar. Acreditavam que as caravelas eram morros flutuantes e que o cavalo fazia parte do corpo de quem lhe cavalgava. Objetos considerados praticamente sem valor pelos europeus também chamavam a atenção dos nativos, como um espelho por exemplo. Essa curiosidade e assombro pelo desconhecido serviram de auxílio para os adelantados abaterem com tanta facilidade quase toda a população de nativos instantaneamente. Mas talvez o principal motivo que levou os nativos destas terras a ser dizimados com tanta facilidade seja uma característica em comum de todos os povos daqui primitivos e que ainda hoje faz parte da essência do povo latino americano de uma forma geral – a passividade. Encaram o inimigo de maneira inerte, como uma situação profética anteriormente designada pelos deuses, não havia motivos para lutar contra o inimigo invasor.[5]

O principal interesse dos conquistadores foi a cobiça por metais preciosos – ouro e prata – mas, além disso, tudo o que era possível extrair destas terras assim foi feito. Animais foram traficados para o velho continente, houve a tentativa de escravizar, inclusive em solo europeu os nativos, o que não deu certo já que estes não eram habituados aos trabalhos forçados e preferiam a morte. A escravidão dos nativos chegou a ser contestada por alguns religiosos, mas de forma irônica. Nas Índias Ocidentais espanholas, não seria escravizado o nativo que se convertesse a fé cristã. Detalhe, esta oportunidade de conversão ao Cristianismo era feita da seguinte forma: após ouvir a leitura de um extenso requerimento de conversão feita em um uma língua desconhecida, o nativo interrogado deveria aceitar ou não se converter a um Deus mais desconhecido ainda!

A cobiça pelas sem limites das coras mercantilistas gerou muitas outras bizarrices, como esta narrada por Galeano no texto citado abaixo:

 

Em 1581, Felipe II afirmara, perante o tribunal de Guadalajara, que um terço dos indígenas da América já tinha sido aniquilado, e aqueles que ainda viviam eram obrigados a pagar tributos pelos mortos. O monarca disse, além disso, que os índios eram comprados e vendidos. Que dormiam na intempérie. Que as mães matavam seus filhos para salvá-los do tormento nas minas. Mas a hipocrisia da Coroa tinha menos limites que o Império: a Coroa recebia uma quinta parte do valor dos metais que seus súditos arrancavam por toda a extensão do Novo Mundo hispânico, além de outros impostos; o mesmo acontecia, no século XVII, com a Coroa portuguesa em terras do Brasil. A prata e o ouro da América penetraram como um ácido corrosivo, no dizer de Engels, por todos os poros da sociedade feudal moribunda na Europa; a serviço do nascente mercantilismo capitalista os empresários mineiros converteram os índios e escravos negros em numerosíssimo “proletariado externo” da economia européia. A escravidão greco-romana ressuscitava de fato, num mundo distinto; ao infortúnio dos índios dos impérios aniquilados na América hispânica é preciso somar o terrível destino dos negros arrebatados às aldeias africanas para trabalhar no Brasil e nas Antilhas. A economia colonial latino-americana dispôs da maior concentração de força de trabalho até então conhecida, para possibilitar a maior concentração de riqueza que jamais possuiu qualquer civilização na história mundial. (GALEANO, 1978, p. 28)

 

A expansão do mercado mercantilista das coroas ibéricas gerou o interesse de outras nações européias, como a França e a Holanda, por exemplo, a tentar abocanhar uma parte do rico e próspero território recém descoberto. Desta forma, Portugal e Espanha não perderam tempo em dar inicio à fase de colonização destas terras e assim, fazer prevalecer o seu o domínio político por aqui. Com o passar do tempo e com a inviabilidade de escravizar os nativos, os trabalhos passaram a ser realizados pela mão-de-obra escrava africana, em grande parte do continente. Este fato deu origem à formação do povo latino americano, através da mistura das etnias presentes no continente: o índio, o europeu e o africano, ou seja, o nativo, o colonizador e o escravo.

Darcy Ribeiro, renomado professor Brasileiro traz uma posição em sua notável obra intitulada ‘As Américas e a Civilização’, rejeita tanto as interpretações tradicionais das Américas quanto os dogmas marxistas que prevaleciam nos anos 60 e busca um corpo teórico novo, capaz de dar conta das complexidades dos povos e do processo civilizatório nas Américas. A novidade surge na conceituação então proposta por ele, dividindo os povos americanos em três – Povos-Testemunho, sobreviventes dos grandes impérios pré-colombianos; Povos Novos, produto da mistura racial e cultural entre colonizador, nativo e escravo; e Povos Transplantados, que mantêm as matrizes racial e cultural da metrópole. À essa nova conceituação Darcy alia o conceito de espoliação, que permeia todo o livro e explica a cisão entre países ricos e países pobres. Como antropólogo engajado, Darcy Ribeiro não se contenta, entretanto, em entender processos e identificar problemas. Ele também aponta possíveis caminhos para escapar do subdesenvolvimento.

O percurso histórico das ex-colônias latino americanas foi muito semelhante se compararmos umas às outras, desde o primeiro instante em que o homem europeu aqui aportou. Os processos de independência de cada um dos países latino americanos, a abolição da escravidão e, bem mais tarde, as ditaduras militares são exemplos de fatos que ocorreram quase que simultaneamente nestas nações e no mesmo contexto histórico.

O objetivo do presente estudo não é entrar no mérito de particularidades históricas, porque o que aconteceu no passado geralmente é narrado do ponto de vista de quem saiu vencedor e isto não quer dizer que os fatos propagados sempre são verídicos. O estudo em tela tem por escopo analisar, de forma geral, a atitude do Latino Americano nos dias atuais como um ser social diante de sua perspectiva histórica.[6]

CAPÍTULO II – BREVE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO SOCIAL DO LATINO AMERICANO CONTEMPORÂNEO EM FACE DE SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA

 

Antes de dar continuidade a discussão acerca do tema objeto deste artigo, é interessante tecer um breve comentário sobre a forma como ficaram conhecidos os nativos deste imenso território, pois “a denominação índio foi atribuída aos habitantes da América pelos colonizadores, que chamavam o nosso continente de Índias Ocidentais. É também uma forma de generalização e uniformização de grupos nacionais bem diferentes que apaga as especificidades de cada nação.” (PETTA; OJEDA, 1999, p. 69)

Relembrando o processo histórico de conquista das terras deste continente, em um primeiro momento os espanhóis acreditaram estar em algum lugar da Ásia, assim como o próprio Cristóvão Colombo ao falecer ainda acreditava ter chegado à costa do Japão. Ocorre que, nos dias atuais denominar de índios os povos daqui originários é totalmente descabido já que não condiz com a realidade destas pessoas. Embora divididas em diversos grupos étnicos, culturais e religiosos, cada um destes grupos representava uma nação independente em relação a outro grupo de indivíduos que ocupavam o mesmo território, ainda que organizados apenas de forma tribal. No mais, chamar de índio os remanescentes dos nativos desta região é uma forma de uniformizar e generalizar a cultura e ideologia destas pessoas que não possuem qualquer herança histórica e social com o país asiático.

Quanto ao nome que o continente herdou desde o século XVI, se deve ao fato de que Américo Vespúcio, ao observar a constelação de estrelas no sul do Brasil constatou que não eram as mesmas que se podiam observar no mar mediterrâneo e deste modo, teve a certeza de estar em terras desconhecidas. Mais tarde, já no século XIX, o conjunto de vinte países situados na América do Sul e Central ganharam um sobrenome – América Latina – em homenagem ao latim, que deu origem aos idiomas mais falados no continente, o espanhol e o português. Chamar de latino um continente onde há países onde a maior da população fala idiomas de origem germânica parece soar estranho, mas há mais contradições.

Usar o termo descobrimento de um novo mundo foi uma forma forjada pelas coroas européias na fase colonial para justificar e consolidar seus interesses mercantilistas, mas o curioso é que nestas terras já haviam nações formadas com um processo histórico e cultural próprio de cada um desses povos, embora parecessem primitivos em relação aos costumes e hábitos europeus. Dessa forma, é possível afirmar que a desvalorização do que pertence de fato a estas terras parte desde a forma de como somos conhecidos, pois, a única coisa que os nativos deste continente têm em comum com Américo Vespúcio e o latim é que ambos representam a destruição dos povos, das riquezas, das culturas entre outras tantas peculiaridades perdidas no processo de conquista e que, como conseqüência, são a origem dos problemas sociais que enfrentamos e foram a causa do subdesenvolvimento econômico e social do nosso continente.

Para Walter Mignolo, nos habituamos a denominar o nosso continente por América Latina como se este nome sempre houvesse existido, o que é contraditório também, pois sabemos que o fato destas terras serem desconhecidas até o século XV não significa que elas nunca existiram. As terras deste jovem continente, como também é conhecido, existiram desde a formação do planeta, da mesma forma que os outros continentes. Quando foi descoberto pelos espanhóis somente no século XV já estava completamente povoado, mas ninguém por aqui falava espanhol, português e francês ou a sua língua mãe.

 

América cayó del cielo – literalmente hablando – que Américo Vespucio acaba obervando cuando descubrió que las estrellas que veia esde el sur del Brasil de hoy em dia no eran las mismas que solía ver desde el Mediterráneo. Lo confuso del asunto es que uma vez que el continente recibió el nombre de América en el siglo XVI y que América Latina fue denominada así en el siglo XIX, fue como si esos nombres siempre hubiesse existido. América nunca fue un continente que hubiesse que descubrir sino una invención forjada durante el proceso de la historia colonial europea y la consolidación y expansión de las ideas e instituciones occidentales. Los relatos que hablan de descubrimiento no pertenecían a los habitantes de Anáhuac ni de Tawantinsuyu, sino a los europeos. Debieron  transcurrir 450 años hasta que se produjera uma transformación em la geografia del conocimiento, y así lo que Europa veia como um descubrimiento empezó a considerarse uma invención. El marco conceptual que permitió dar esse giro surgió de la conciencia criolla del mundo de habla hispania y portuguesa. (MIGNOLO, 2005, p. 28)

 

Há quem defenda a tese de que o nome do nosso continente é uma homenagem em referência de quem daqui saiu vencedor na fase de conquista do então desconhecido mundo novo o que na verdade não soa estranho. Mas o fato que chama maior atenção e merece destaque é tratamento desigual, desumano e bárbaro que receberam os nativos, os escravos e os crioulos (resultado da mistura das raças) e que ainda hoje reflete no comportamento social do latino americano de forma geral. Durante o processo de conquista e colonização do continente Americano defendeu-se a idéia de que os povos nativos não faziam parte da história, porque não eram considerados seres humanos.

Ao dizimar grande parte dos povos nativos do novo mundo e pilhar seus tesouros, os conquistadores europeus enterraram muito abaixo de sua própria história as experiências, os relatos históricos, ideológicos e culturais destas pessoas. Os índios e também os escravos africanos não eram considerados seres humanos, pois só aquele que tinha condições de escrever e ser ator do processo histórico era considerado ser racional.

Infelizmente, a forma como os indígenas eram vistos no passado, como um povo passivo e incapaz de se tornar ator de sua própria história permanece ainda nos dias atuais e é uma característica comum do latino americano em geral. Fato que não condiz totalmente com a realidade se levarmos em conta o desenrolar do processo histórico do continente e citar exemplos como o que ocorreu no processo de independência no Haiti, as revoltas, mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar no Brasil, Argentina e Chile, e, atualmente, as manifestações populares que vem ocorrendo no Brasil. [7]

 

La colonización del ser consiste nada menos que em generar la Idea de que ciertos pueblos no forman parte de la historia, de que no sons ores. Así, enterrados bajo la historia europea del descubrimiento están las historias, las experiencias y los relatos conceptuales silenciados de los que quedaran fuera de la categoría de seres humanos, de actores históricos y de entes racionales. En los siglos XVI y XVII, los condenados de la tierra como catalogó Frantz Fanon a los seres colonizados, eran los indios y los esclavos africanos. Por esa razón, los misioneros y los hombres de letras se arrogaron la tarea de escribir las historias que, según ellos, los incas y los aztecas no tenían y de redactar la gramática del quéchua/quihua y el náhuatl tomando el latín como modelo. Los africanos no fueron tenidos en cuenta en el proceso de evangelización, ya que se los consieraba pura y exclusivamente provedores de mano de obra. (MIGNOLO, 2007, p. 30)

 

A desarticulação das diversas histórias que compõe o processo histórico do continente americano em período anterior ao da fase de conquista e colonização foi uma forma hábil de as metrópoles européias expandirem a homogeneidade de seu poder sobre as colônias. Foi interessante para a história das metrópoles ibéricas a desvalorização do conhecimento, da cultura, das crenças, das línguas e das próprias pessoas nativas ou escravas.

Esta atitude dos povos conquistadores deu origem ao que hoje conhecemos por racismo, porque auxiliou a construir o pensamento inaceitável de que certos povos são considerados inferiores a outros. Acreditava-se naquele tempo que a classificação de certas etnias ou grupos religiosos, por exemplo, era estabelecido por uma ordem natural da manifestação da vontade de Deus, e que não havia possibilidade de mudar esta situação. Ao ter sua história e ideologia enterrada pelo conquistador, ver seus semelhantes massacrados e menosprezados por povos que se consideravam superiores aos demais durante séculos, contribuiu para a formação de uma visão pacata do homem latino americano e a forma como este procura participar do cenário político e social do seu país nos dias de hoje.

 

La completa articulación y desarticulación de diversas historias en beneficio de una única historia, la de los descubridores, los conquistadores y los colonizadores, há legado a la posteridad una concepción linear y homogénea de la historia de la que deriva la idea de América. Pero para que una historia sea vista como la primordial, debe existir un sistema clasificatorio que favorezca la marginación de determinados conocimientos, lenguas y personas. Por lo tanto, la colonización y la justificación para la apropiación de la tierra y la exploración de la mano de obra en el proceso de invención de América requirieron la construcción ideológica del racismo. La introducción de los indios e la mentalidad europea, la expulsión de moros y judíos de la península ibérica finales del siglo XV y la redefinición e los negros africanos como esclavos Dio lugar a una clasificación y categorización específica de la humanidad. El presuntuoso modelo de humanidad ideal en el que se basaba no había sido establecido por Dios como parte del orden natural sino por el hombre, cristiano y europeo. (MAGNOLO, 2007, p. 40-41)

 

Para Eduardo Galeano, que escreveu o célebre “As veias abertas da América Latina”, o subdesenvolvimento latino americano é fruto do sistema capitalista, que nasceu das práticas mercantilistas do século XV no mesmo instante em que se descobriam novas terras e grande quantidade de riquezas além do oceano atlântico. Segundo o escritor, o subdesenvolvimento social, econômico e político que ainda nos dias de hoje é a principal característica de todos os países da América do Sul e Central não é uma etapa do desenvolvimento destas nações, mas é a conseqüência do desenvolvimento das nações que daqui usurparam seus bens, suas riquezas, a história e a própria vidas dos seres humanos.

Depois de passados mais de quinhentos anos da conquista européia sobre estas terras e sobre os povos que aqui viviam, e ainda, após todo o processo histórico percorrido pelos povos latino americanos principalmente para se livrar do julgo cruel de ser colônia de uma coroa mercantilista européia, falar em desenvolvimento parece uma utopia, algo que não acontecerá pelo menos em breve, pois, o subdesenvolvimento parece se confundir eternamente com a realidade do processo histórico das Américas do Sul e Central e que ainda nos dias de hoje caminha lentamente para uma possível mudança, apesar da esperança e vontade dos que aqui vivem.

 

Nestas terras, o que assistimos não é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É sua conseqüência. O subdesenvolvimento da América Latina provém do desenvolvimento alheio e continua a eliminá-lo. Impotente pela sua função de servidão internacional, moribundo desde que nasceu, o sistema tem pés de barro. Postula a si próprio como destino e gostaria de confundir-se com a eternidade. Toda memória é subversiva porque é diferente. Todo projeto de futuro também. Obrigam zumbi a comer sem sal: o sal, perigoso, poderia despertá-lo. O sistema encontra seu paradigma na imutável sociedade das formigas. Por isto se dá mal com a história dos homens: pelo muito que esta muda. E porque, na história dos homens, cada ato de destruição encontra sua resposta – cedo ou tarde – num ato de criação. (GALEANO, 1978,p. 200-201)

 

Ao retratar a realidade latina americana na atualidade, Eduardo Galeano ainda reforça o fato de que, apesar do processo histórico e principalmente de independência destas ex-colônias de países ibéricos, estes ainda continuam condenados a servidão diante de uma nova metrópole européia e, com o passar dos séculos, a América Latina apenas foi aperfeiçoando suas funções. O que comprova este fato é que, após a Independência dos países latinos americanos, estes passaram a contrair empréstimos e distribuir suas riquezas naturais principalmente à Inglaterra, metrópole mercantilista que, após Espanha e Portugal entrarem em declínio com o fim do antigo sistema colonial, e aproveitando da fragilidade econômica e política destas nações meninas, também saqueou e trouxe novos fardos pesados e impossíveis de se carregar ou ainda de deixar pelo caminho a estes países subdesenvolvidos.

Infelizmente, esta ainda é a realidade político, social e econômica dos países em busca de desenvolvimento na América Latina. Com o passar do tempo, a única coisa que muda é o papel de protagonista da história, ou seja, qual o país rico que vai se dar bem e ser servido de alguma forma por uma nação do hemisfério sul da América. Como no dizer de Galeano, a América Latina especializou-se em perder suas riquezas e até mesmo sua autonomia como uma nação independente desde o momento em que o primeiro espanhol aportou no continente há mais de quinhentos anos, enquanto isto, outros países em expansão capitalista especializaram-se a ganhar em cima de nossas fragilidades econômicas e políticas.

 

Conclusão

 

O processo de conquista do território latino americano foi feroz, dizimou quase que por completo os povos nativos, destruíram grandemente a flora e fauna deste continente e os países desbravadores se enriqueceram com os metais preciosos daqui retirados. Há um detalhe: não houve tempo nem oportunidade de defesa e este fato vem a se repetir com o passar do tempo. Ao conquistar o mérito de ser uma nação independente, após o declínio das antigas metrópoles, as ex-colônias estavam atoladas em dividas contraídas muitas vezes pelo próprio processo de independência e passando por grande instabilidade econômica e política.[8]

 

Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os. (GALEANO, 1978, p. 5)

 

Jorge Abelardo Ramos ao falecer estava envolvido na obra “Historía de la Nación Latinoamericana” que foi um livro de culto para a joven intelectualidade de esquerda nas décadas de sessenta e setenta. “Al describir la balcanización del continente entre los siglos XIX y XX Jorge Abelardo Ramos inscribió una nueva narrativa en el pensamiento latinoamericano: por primera vez las categorías marxistas de interpretación de la historia se enlazaron con la perspectiva de Patria Grande. Arturo Jauretche corrigió algunas de estas páginas; el líder tupamaro Raúl Sendic escondía el volumen bajo su catre cuando fue capturado; sus teorías fueron estudiadas con pasión por el intelectual uruguayo Alberto Methol Ferré. Hoy, constituye el más innovador aporte del revisionismo histórico en su tarea de derribar los mitos instaurados por los discursos historiográficos hegemónicos.”

É certo que o processo histórico influencia a formação da personalidade das pessoas, seja uma nação ou se tratando de um indivíduo. Conforme foi a análise de finalização deste estudo até agora, a forma como o povo latino americano foi tratado ao longo da história influenciou seu modo de vida e a forma de como participa da vida política e social de seu país.

Pode parecer estagnado e conformado com a situação de vida precária do continente. Pode parecer ter se habituado as interferências internacionais na política e economia de sua nação, mas isto não é verdade. O exemplo das manifestações populares que vem ocorrendo no Brasil nos últimos dias nos faz lembrar as conquistas que o povo latino americano adquiriu toda vez que foi a luta, nem que o preço de sua atitude custou o preço da própria vida. Não é demais relembrar que vários direitos sociais garantidos nas Constituições democráticas dos países latinos são frutos da revolução, dos descontentamentos do cidadão diante de suas mazelas.

 

 

                                                          

 

REFERÊNCIAS

 

GALEANO, Eduardo. AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA. Disponível em: WWW.inventati.org/sabotagem.

 

MIGNOLO, Walter D. LA IDEA DE AMÉRICA LATINA. Barcelona: Gedisa, 2007.

 

PETTA, Nicolina Luiza de; OJEDA, Eduardo Aparicio Baez. História: uma abordagem integrada. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1999.

 

RAMOS, 2004, Jorge Abelardo. Historia de la Nación Latinoamericana.

 

RIBEIRO, Darcy. Las Américas y la Civilización. Buenos Aires: Centro Editor da América Latina, 1969.

 

WOLKMER, Antônio Carlos (org). FUNDAMENTOS DA HISTÓRIA DO DIREITO. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.



[1] A pimenta, o gengibre, o cravo, a noz-moscada e a canela eram tão cobiçados como o sal para conservar a carne no inverno, sem que se apodrecesse ou perdesse o sabor.Os Reis Católicos de Espanha decidiram financiar a aventura do acesso direto às fontes, para se libertarem da onerosa cadeia de intermediários e revendedores que açambarcavam o comércio das especiarias e plantas tropicais, as musselinas e as armas brancas, provenientes de misteriosas regiões do oriente. O desejo de metais preciosos, meio de pagamento para o tráfico comercial, impulsionou também a travessia dos mares malditos. A Europa inteira necessitava de prata: os filões da Boémia, Saxônia e Tirol já estavam quase exaustos. (GALEANO, 1978, p. 10)

[2] El 12 de octubre de 1492, el ligur Cristóbal Colón descubre a Europa la existencia de un Orbis Nuevo. No sólo fue el eclipse de la tradición tolomeica y el fin de la geografía medieval. Hugo algo más. Ese día nació la América Latina y con ella se gestaría u gran pueblo nuevo, fundado en la fusión con las culturas antiguas. Fuera el Descubrimiento de América, o doble Descubrimiento o Encuentro de dos Mundos, o genocidio, según los gustos, y sobre todo, según los intereses, no siempre claros, la proeza colombina parece brindar a España, por un momento, la posibilidad de consolidar la nación y dotarla de una formidable acumulación de capital. (RAMOS, 2009, p. 34)

[3] A conquista exploração da América inserem-se no contexto de expansão do Capitalismo comercial, no interesse da Igreja Católica em garantir a sua presença no Novo Mundo e na necessidade que os países ibéricos tinham de encontrar áreas para explorar. Desses elementos resultaram a violência e o desprezo para com as culturas nativas. (PETTA; OJEDA, 1999, p. 67)

[4] Los Españoles no descubren en el continente nuevo una “Nación” constituida. Por el contrario, aparecieron ante sus ojos incontables grupos étnicos-culturales, con profundas diferencias lingüísticas, técnicas, productivas, religiosas o artísticas. Para emplear una categoría occidental, diremos que em dicho océano de razas y culturas se destacaban tres de ellas por su importancia dominante, presente o pasada, las sociedades azteca, incaica y maia. […] América tenía su propia historia, más precisamente, sus propias historias, aunque los europeos la desconocieran todavía, y aunque los “americanos” carecían de una autoconciencia integral de su existencia común. (RAMOS, 1999 p. 54)

[5] Três anos depois do descobrimento, Cristóvão Colombo dirigiu pessoalmente a campanha militar contra os indígenas da Ilha Dominicana. Um punhado de cavaleiros, duzentos infantes e alguns cães especialmente adestrados para o ataque dizimaram os índios. Mais de quinhentos, enviados à Espanha, foram vendidos como escravos em Sevilha e morreram miseravelmente. Entretanto alguns teólogos protestaram e a escravização dos índios foi formalmente proibida ao nascer do século XVI. Na realidade, não foi proibida, mas abençoada: antes de cada entrada militar, os capitães de conquista deviam ler para os índios, sem intérprete mas diante de um escrivão público, um extenso e retórico Requerimento que os exortava a se converterem à santa fé católica: “Senão o fizerdes, ou nisto puserdes maliciosamente dilação, certifico-vos que com a ajuda de Deus eu entrarei poderosamente contra vós e vos farei guerra por todas as partes e maneira que puder,e vos sujeitarei ao jugo e obediência da Igreja e de Sua Majestade e tomarei vossas mulheres e filhos e vos farei escravos, e como tais vos venderei, e disporei de vós como Sua Majestade mandar, e tomarei vossos bens e vos farei todos os males e danos que puder…(GALEANO, 1978, p. 11)

[6] Não se está aqui abordando a história como uma idéia de progresso; muito pelo contrário, o que se intenta é repisar o argumento de que muitos aspectos sombrios da modernidade e camuflados da história fazem, na verdade, parte de uma ideologia que se irá chamar de eurocentrismo. (WOlKMER, 2007)

[7] De maneira geral, no período da conquista, o índio era visto como um ser passivo, incapaz de se tomar sujeito de sua própria história. Esta imagem permanece até os dias de hoje e estende-se ao latino-americano em geral. Na verdade, a realidade dos fatos contradiz esse entendimento, recuperando a “história invisível” da conquista, o processo de resistência militar e, principalmente, cultural dos povos ameríndios. (WOLKMER, 2006, p. 225)

[8] É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. A cada um dá-se uma função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento, e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes cidades e os portos exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. (Há quatro séculos, já existiam dezesseis das vinte cidades latino-americanas mais populosas da atualidade.). (GALEANO, 1978, p. 5)